Quando a política vira espetáculo, quem paga o preço é a cidadania

No Acre, vivemos às voltas com desafios reais, urgentes e profundos: infraestrutura precária, acesso debilitado à saúde e à educação, desigualdade histórica, violência, falta de saneamento. Enquanto isso, em Sena Madureira, uma sessão da Câmara Municipal foi interrompida por uma briga entre vereadores — um episódio que ultrapassa o campo das divergências políticas e revela algo muito mais grave: o esgarçamento da decência pública, da dignidade do mandato, da autoridade que deveria vir do exemplo.

A cena em que dois representantes eleitos trocam empurrões e agressões no plenário — local que deveria ser de ideias, debates e convergências em favor do bem coletivo — não é apenas lamentável: é simbólica. Ela escancara como, em algumas circunstâncias, o protagonismo extremo e a beligerância substituem propostas, projetos e o compromisso com o povo.

A política não é um palco para espetáculo, mas um espaço de serviço — de ouvir, deliberar, fiscalizar, construir. Quando representantes recorrem à violência física, eles ferem a confiança da população e distorcem o sentido do voto confiado a eles. A partir do momento em que o plenário se transforma em ringue, todos perdem: os envolvidos, a Casa Legislativa, a imagem da política em geral — e, sobretudo, os cidadãos que esperam resultados concretos.

Mais do que isso: essas cenas alimentam o descrédito e a apatia. Quantos na população já pensaram “pra quê votar, se os próprios políticos não têm equilíbrio?” Esse sentimento é perigoso, porque fortalece o terreno do autoritarismo, do populismo vazio e do abandono do debate de ideias.

Esse episódio serve como chamado — não apenas à Câmara de Sena Madureira, mas a cada município acreano. Há uma urgência em refletir:

  • Para os representantes eleitos: exercício de cargo exige temperança, preparo emocional, ética e foco no coletivo. Quando ofensas pessoais ultrapassam limites, ou quando rivalidades substituem projetos, o mandato perde seu valor. Há um instante para a retórica, outro para o combate institucional, e jamais para agressão física.

  • Para os partidos e lideranças políticas: agir preventivamente, com formação de ética e mediação de conflitos. Incentivar a cultura de respeito e responder rapidamente a excessos evita que divergências descambem para o caos.

  • Para a população: cobrar não apenas promessas, mas postura. Exigir transparência, atuação técnica, prestação de contas e consequências firmes para quem ultrapassa os limites do decoro. Participar ativamente: comparecer às sessões, acompanhar o trabalho legislativo, pressionar representantes.

Caminhos para resgatar dignidade

  1. Comissões de ética ativas e independentes
    O regimento interno por si só não basta — é preciso que as comissões de ética funcionem com autonomia, agilidade e imparcialidade. Casos como esse exigem respostas céleres, não adiamento.

  2. Capacitação e mediação institucional
    Treinamentos em oratória, controle emocional e mediação fazem diferença. Conflitos inevitáveis podem ser administrados antes que se transformem em confrontos.

  3. Transparência total
    Deveríamos ter acesso fácil ao andamento de processos disciplinares na Câmara, ao parecer jurídico e ao desfecho. O sigilo injustificado alimenta desconfiança.

  4. Educação política social
    Nas escolas, associações de bairro, comunidades: promover palestras, debates e cultura cívica para que cidadãos se reconheçam como vigilantes da coisa pública. Uma sociedade crítica inibe abusos.

  5. Representatividade comprometida
    Em cada eleição, priorizar candidatos com histórico de seriedade, com trajetória de serviço e respeito — e não carisma inflado ou retórica agressiva.

O Acre é feito de gente que quer futuro — não espetáculo grotesco. Se aceitarmos que cenas como as de Sena Madureira sejam meros episódios “normais” de política, estaremos abrindo caminho para o que há de pior: impunidade, cinismo e descrédito generalizado.

Ainda estamos a tempo de virar essa página. A Câmara pode tomar atitudes — nota de repúdio, comissão de ética, punições — mas não basta punir; é necessário reconstruir. E essa reconstrução só será possível com quem de fato importa: a população, que precisa retomar o protagonismo. Cobrar, vigiar, participar — não deixar que o espetáculo substitua a substância.

Que esse episódio sirva como alerta: não à servidão do espetáculo, sim à exigência da política digna. E que os acreanos façam dessa crise não apenas motivo de indignação, mas ponto de virada rumo à política que merecemos.

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