A análise dos feminicídios ocorridos no Distrito Federal entre 2015 e 2025 revela uma realidade preocupante: embora o índice de concessão de medidas protetivas de urgência seja elevado, muitas mulheres ainda não chegam a solicitá-las — ou, quando solicitam, acabam desistindo ao longo do processo.
Os números falam por si: do total de vítimas de feminicídio nesse período, 31% haviam registrado ocorrência anterior contra o agressor. Dessas, apenas 26% solicitaram medidas protetivas, ainda que quase 90% dos pedidos tenham sido deferidos. Em outras palavras, embora o sistema de justiça esteja apto a conceder a proteção, 88% das vítimas sequer chegaram a requerê-la.
Apenas 12% estavam efetivamente amparadas por medidas em vigor no momento do crime. Como promotora de Justiça, pude acompanhar de perto a diferença que uma medida protetiva pode fazer. Vi mulheres que, amparadas por decisões firmes do Sistema de Justiça, conseguiram interromper ciclos de violência e reconstruir suas vidas. Mas também vi, com tristeza, casos em que a ausência dessa proteção resultou em desfechos irreversíveis. Esses dados e essas vivências me levam a afirmar que a medida protetiva é um instrumento vital de prevenção ao feminicídio.
A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em 2024, no Tema Repetitivo 1249, representou um avanço significativo: as medidas protetivas foram reconhecidas como autônomas, com prazo indeterminado e desvinculadas da existência de inquérito ou ação judicial. Essa conquista, que acompanhamos de perto, reforça o valor protetivo imediato das medidas, independentemente da etapa processual.
Outro espaço estratégico é a audiência de custódia. Caso a medida não tenha sido concedida, o membro do Ministério Público pode requerer medidas protetivas mesmo sem a provocação da vítima, em consonância com a Resolução nº 221/2020 do Conselho Nacional do Ministério Público.
Já tive a oportunidade de atuar em audiências em que, no exato momento da apresentação do agressor, foi possível solicitar ao juiz condições protetivas que garantiram à vítima um retorno mais seguro para sua casa. Nessas situações, a atuação ministerial é determinante para mostrar ao agressor a gravidade de seus atos e assegurar à mulher a confiança de que não está sozinha.
A experiência do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios comprova que, quando medidas protetivas são associadas a programas públicos de acompanhamento — como o Espaço Acolher, o Viva-Flor, a Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas, o Direito Delas e o Policiamento de Prevenção Orientada à Violência Doméstica — não se registram feminicídios entre as mulheres monitoradas. Esse dado é um marco: demonstra que a integração entre o sistema de justiça e políticas públicas salva vidas.
É urgente, portanto, fortalecer a articulação institucional para que essas medidas sejam concedidas e monitoradas em tempo real. Da mesma forma, precisamos ampliar a conscientização das mulheres sobre a importância da proteção. O feminicídio é evitável e cada medida protetiva efetivamente implementada representa não apenas um mecanismo jurídico, mas um escudo que pode significar a diferença entre a vida e a morte. Agindo assim, seremos, verdadeiramente, ativos e ativas pelo fim da violência contra as mulheres.
Essas e outras informações estão disponíveis no relatório que foi lançado, no último mês de outubro, pela Comissão de Prevenção e Combate ao Feminicídio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O documento reúne dados, análises e recomendações voltadas ao enfrentamento dessa grave violação de direitos humanos.
A publicação evidencia a importância da atuação integrada entre sistema de justiça, políticas públicas e sociedade civil na construção de políticas de prevenção, no fortalecimento da rede de proteção às mulheres e no combate ao feminicídio.
As principais conclusões e recomendações podem ser consultadas no relatório disponível no link:
https://www.mpdft.mp.br/portal/images/pdf/comissao_feminicidio/relatorio-comissao-prevencao-combate-ao-feminicidio-mpdft.pdf
Fabiana Costa Oliveira Barreto é promotora de justiça, conselheira do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e presidente da Comissão de Prevenção e Combate ao Feminicídio do MPDFT






