O Congresso Nacional decidiu, nesta quinta-feira (27), derrubar quase todos os vetos feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que altera as regras de licenciamento ambiental no país. A decisão restabelece trechos considerados por ambientalistas como um retrocesso na proteção da natureza.
A derrota do governo foi ampla: na Câmara, foram 295 votos pela derrubada dos vetos, contra 167 que queriam mantê-los. No Senado, o placar foi 52 a 15.
A posição do Congresso contraria pedidos do Palácio do Planalto, de especialistas e de organizações ambientais, que alertavam para os riscos de flexibilizar processos de controle que protegem rios, florestas e comunidades tradicionais.
Licenças mais simples e risco de liberar obras poluidoras
A principal mudança é o retorno da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um tipo de autorização mais simples para atividades classificadas como de baixo ou médio potencial poluidor. Com esse modelo, basta o empreendedor declarar que cumpre as regras — sem o processo tradicional, que exige estudos detalhados.
Para o governo, obras que representam “risco relevante”, como barragens de rejeitos, podem acabar entrando nessa brecha e sendo liberadas sem a devida análise.
Outro trecho retomado dispensa licenciamento para obras de saneamento básico até que o Brasil atinja as metas de universalização de água e esgoto — algo que pode levar anos.
Ponto mais crítico fica para semana que vem
Um dos vetos mais sensíveis, o que tratava do Licenciamento Ambiental Especial (LAE) — um modelo ainda mais rápido e que poderia liberar obras independentemente do impacto ambiental — ficou para ser analisado na próxima semana.
Esse trecho foi articulado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AL), e é defendido pela bancada do agronegócio.
Governo tentou, mas não conseguiu evitar a derrota
Lula havia vetado 63 pontos do projeto aprovado em julho. O Planalto tentou adiar a votação ao máximo, principalmente por causa da COP30, encerrada recentemente em Belém.
Antes da sessão, o governo divulgou nota alertando que derrubar os vetos poderia trazer “efeitos imediatos e de difícil reversão” sobre o meio ambiente, mas a mobilização não foi suficiente.
Restrições à consulta de povos indígenas e quilombolas
Outra mudança importante restabelecida pelo Congresso reduz a participação de comunidades tradicionais no processo de licenciamento.
A partir de agora, apenas terras indígenas homologadas e áreas quilombolas já tituladas poderão ser consultadas — deixando de fora territórios em processo de regularização.
Mesmo que Funai ou Ministério da Igualdade Racial se posicionem contra um empreendimento, sua opinião não será obrigatória para a decisão final.
Mata Atlântica perde proteção
Com a derrubada dos vetos, cai também a exigência de autorização estadual para desmatamento de vegetação primária ou em regeneração avançada na Mata Atlântica — um dos biomas mais ameaçados do país.
Municípios com conselho ambiental também ficam dispensados de pedir autorização para cortar vegetação em estágio médio de regeneração.
Obras e atividades dispensadas de licenciamento
Outros trechos retomados:
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dispensa de licença para manutenção e melhorias em rodovias;
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liberação para atividades rurais em propriedades com cadastro no CAR ainda não homologado;
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possibilidade de usar LAC em obras de ampliação de rodovias, saneamento e linhas de transmissão;
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isenção para bancos e contratantes em casos de dano ambiental, desde que exijam a licença do empreendedor.
Debate político esquentou
No plenário, houve confronto de visões:
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Psol e PT chamaram a medida de “erro histórico”, lembrando tragédias como Mariana e Brumadinho.
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Bancada do agro defendeu que o licenciamento estava travando obras e o desenvolvimento.
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Ambientalistas criticaram a votação ocorrer logo após a COP30, em um momento em que o Brasil se comprometeu publicamente com metas mais ambiciosas de preservação.
E agora?
Com a derrubada dos vetos, quase todos os pontos passam a valer assim que forem promulgados. Apenas o trecho do LAE aguarda análise da Medida Provisória 1308/25.
Especialistas alertam que as novas regras abrem caminho para mais desmatamento, fragilizam a fiscalização e podem facilitar a aprovação de obras sem estudo adequado de impacto ambiental.