9 dezembro 2025

Brasil erra ao se calar na ONU sobre crimes da Rússia (Marina Pereira)

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A mais recente votação da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que exigiu a imediata e incondicional devolução de crianças ucranianas deportadas pela Rússia, expôs novamente um desconforto diplomático que já se transformou em padrão: o Brasil se absteve novamente.

A resolução trata de meninos e meninas levados à força, separados de suas famílias, rebatizados, transportados a milhares de quilômetros e inseridos em processos de adoção ilegal e doutrinação, como detalha a própria ONU. São violações diretas do Artigo 49 da Quarta Convenção de Genebra, um texto que o Brasil respeita, assina e historicamente defende.

Ainda assim, o Brasil optou por se alinhar à Índia, ao Senegal, à Arábia Saudita, ao Iêmen e a outros países que preferiram evitar qualquer condenação explícita à Rússia.

Após recente encontro com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o líder ucraniano Volodymyr Zelensky declarou à imprensa que “gostou dos sinais vindos do Brasil”, afirmando que o petista se comprometeu a “fazer o possível para levar a paz para a Ucrânia”.

Mas esse gesto diplomático contrasta com declarações passadas do próprio Lula. Em 2022, durante a pré-campanha eleitoral, em entrevista à revista Time, o brasileiro afirmou que Zelensky “quis” a guerra e se comportava como “o rei da cocada”.

“Ele quis a guerra. Se ele não quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais. […] Você fica estimulando o cara, e ele fica se achando o máximo. Ele fica se achando o rei da cocada”, disse Lula.

Não é necessário e nem desejável idolatrar Zelensky. Críticas ao governo ucraniano podem e devem existir. Mas isso não serve de justificativa para relativizar crimes internacionais cometidos pela Rússia ou para suavizar responsabilidades jurídicas já reconhecidas por órgãos independentes.

Direitos humanos não podem ser defendidos apenas quando é conveniente nem violados apenas quando o violador é politicamente antipático.

O Brasil historicamente se orgulha de uma diplomacia multilateral baseada no diálogo. No entanto, quando crimes de guerra são documentados com a clareza registrada em Bucha, Borodyanka e Mariupol, onde civis foram executados, hospitais bombardeados e crianças deportadas, torna-se impossível ignorar a gravidade dos fatos ou relativizar responsabilidades.

A posição brasileira perde coerência quando condena Israel na ONU, mas se cala diante de crimes igualmente graves cometidos pela Rússia. Se o critério é o respeito ao direito internacional humanitário, ele deve valer para todos. A credibilidade se sustenta na coerência, não na conveniência.

O contexto geopolítico importa: a Rússia é membro do BRICS, bloco valorizado pelo governo brasileiro como alternativa à hegemonia ocidental. O cálculo diplomático é real. Mas nenhuma aliança autoriza silenciar diante de crimes contra civis, especialmente quando esses crimes envolvem crianças deportadas e submetidas a adoção forçada, prática que levou o Tribunal Penal Internacional a emitir mandados de prisão contra Vladimir Putin e Maria Lvova-Belova.

O Brasil pode manter boas relações com Moscou sem abdicar de princípios que sempre defendeu. A multipolaridade não pode ser construída às custas de minimizar agressões evidentes. Ser crítico ao governo Zelensky não equivale a absolver Putin. Defender a paz não significa relativizar agressões ou sugerir que vítimas “estimularam” sua própria tragédia. E abster-se não significa impedir o conflito, apenas enfraquecer a pressão internacional por justiça.

O Brasil, que apresenta o país como defensor dos direitos humanos, precisa demonstrar que essa defesa não depende de quem é o perpetrador. Caso contrário, perde autoridade moral e coerência política.

A verdade é simples: não precisamos idolatrar Zelensky, mas precisamos condenar violações graves de direitos humanos, seja quem for o violador. Se o Brasil deseja ser um mediador confiável, precisa demonstrar que seu compromisso com a paz não vem acompanhado de indulgência seletiva com violadores.

A justiça internacional não é negociável e os direitos das crianças ucranianas tampouco. E, diante disso, a abstenção brasileira pesa — e muito.

 

(Transcrito do PÚBLICO Brasil)

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