Lágrimas de saudade se misturavam com o sorriso genuíno proveniente da alegria pelo fim da espera. O abraço forte, muitas vezes entre soluços, era seguido pela sutileza de segurar o rosto, passar a mão pelo cabelo e apertar as pequenas mãos. Em minutos, parecia recuperado o tempo suspenso. O mosaico de emoções descreve o encontro das reeducandas com os filhos durante o projeto Abraçando Filhos, realizado pela Coordenadoria da Infância e Juventude (Coinj) do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) nesta sexta-feira, 19.
Enquanto aguardava, a filha pintou corações. Ela tem cinco anos de idade, porém a última vez que viu a mãe tinha dois. A guardiã da criança segurava as palavras: “Não sei nem se ela vai reconhecer”, disse. (spoiler: esse temor não se concretizou!).
Assim como ela, haviam 54 crianças, que estavam ali desenhando e correndo até o horário marcado. Quando o ônibus chegou, o sentimento transbordou instantaneamente. Com a filha nos braços, a mãe repetia: te amo tanto minha filha, sua mãe te ama tanto – mas o mantra não consolava, ele ecoava a ausência que doía.




Abraçando Filhos
As instituições que apoiam a iniciativa se fizeram presentes na atividade realizada pela Coinj. Após o momento de acolhimento emocional, o diretor de Reintegração Social do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), André Vinício Assis, agradeceu a realização do evento natalino, bem como aos familiares que se disponibilizaram a participar do encontro, assim reforçou a mensagem sobre a importância da manutenção dos laços afetivos durante o período de cárcere.
“A integração das famílias faz parte do nosso compromisso com a ressocialização”, afirmou o juiz Robson Aleixo, representando o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário e Socioeducativo (GMF/TJAC). De igual modo, o presidente da Ordem dos Advogados Seccional Acre (OAB/AC), Rodrigo Aiache, refletiu sobre as conexões familiares: “A pena não serve só para punir quem cometeu o erro, ela tem que servir para ressocializar. Esse projeto resgata algo que não deveria ter sido interrompido”.
Comovida com as cenas do dia, a presidente da Associação dos Magistrados do Acre (Asmac), juíza Olívia Ribeiro, falou sobre a maternidade. “Ao chegar, tive a oportunidade de testemunhar as lágrimas correndo pelo rosto dessas mães. Elas não se conteram com a oportunidade do reencontro. Esse projeto envolve sentimentos e esses são os que devem prevalecer na memória das mães”.
Com a voz reverberando sensibilidade, a subdefensora-geral da Gestão Pública, Simone Santiago, dividiu sua perspectiva pessoal: “Também sou mãe e estou muito emocionada. Este projeto nasceu do coração da desembargadora que é mãe e avó. Um amor grandioso. Hoje, a gente comemora cada abraço e a comunhão do Natal”.
O presidente do TJAC, desembargador Laudivon Nogueira agradeceu ainda o apoio da polícia penal e judiciária, equipe técnica, as servidoras e servidores que tornaram a ação possível. “Celebrar o Natal é renovar o compromisso com a justiça, com o olhar atento ao próximo”, declarou Nogueira.
A benevolência foi a linguagem utilizada no pronunciamento da desembargadora Regina Ferrari: “Com o coração cheio de esperança, nós estamos aqui abraçando hoje pessoas que se tornaram invisíveis do convívio social. O amor entre mãe e filho jamais poderá ser encarcerado. Vocês carregam consigo aquele amor que jamais se apagará. Que esse amor seja nutrido, pois um erro não pode destruir os laços completamente. Fortaleçam-se e tenham ânimo para atravessar essa fase, pois todo encarceramento é provisório”.
Também estavam presentes o titular da Comarca de Capixaba, juiz Bruno Perrota, e a diretora da unidade penitenciária feminina de Rio Branco, Jamile Silva.







Estigma e cansaço emocional
Uma das famílias era de Brasiléia. A avó pegou o taxi de madrugada, às 4h30 da manhã com os dois netos. Um tem 14 anos e a menor quatro. “Vim roendo as unhas para estar aqui no horário. Trabalho na limpeza e pra vir aqui, eu sabia que ia faltar, então tive que pagar plantão”, explica a logística.
Marineide Pacífico contou que é a segunda vez que a filha foi presa e esse último processo ainda não foi julgado, “por isso que tem tempo que não a vejo. Na primeira vez, eu vinha em Rio Branco todo mês, mas ela não valorizou. É muito ruim, não sei como uma pessoa que foi pro presídio resolve parar lá de novo”, reclama. O filho adolescente também decidiu não ver mais a mãe. “Eu fui lá no Dia das Mães, mas é muito horrível. Não quero ir mais”.
Porém, quando se reviram, a punição moral foi suspensa. O vínculo não tinha sido apagado. Hoje foi dia de reconciliação.
Outra avó que trouxe o neto foi a Raimunda Nascimento, que tem 64 anos de idade. Sua filha está longe da família há nove meses. O menino com oito anos é diagnosticado com autismo. A avó explica que ele não consegue visitar a mãe, porque fica muito agitado. Então, a medida que ele foi sentindo a ausência, passou a manifestar sintomas de depressão. “Ele mudou muito. Chora. Ficou mais triste. Tem muita dificuldade para se alimentar. Não estou tendo forças para cuidar dele, o médico até aumentou a medicação”, descreve.
O reflexo na mãe também é de tristeza. “Eu estou morrendo aos poucos. Minha mãe não está dando conta, ela também é doente e se tiver que se internar não vai ter quem ficar com ele. Hoje esse momento está sendo tudo para mim, porque eu não aguento mais”, lamenta seus medos.
São muitas famílias que não tem esse contato frequente com a pessoa apenada. O projeto Abraçando Filhos emergiu da realidade em que as famílias rompiam ou se afastavam das reeducandas por vários motivos, o qual dava origem a um ciclo de vergonha, culpa e estigma. A rejeição familiar costuma ser mais dolorosa que a própria pena e um elemento que dificulta a ressocialização.
Josilene Sousa disse que a última vez que viu a filha foi justamente no Abraçando Filhos do ano passado. “Ela já está presa há seis anos. Então, hoje eu disse Feliz Natal e que no próximo ano eu não venha aqui”, esbravejou. Mas a bronca foi respondida com outro abraço, suficiente para quebrar a rigidez maternal com a referência de pertencimento, algo que é imaterial e maior.
No encerramento do projeto, houve a entrega de presentes doados pela Coinj, a partir dos recursos arrecadados no Bazar Solidário do TJAC, realizado no último dia 4 de dezembro.











Fotos: Elisson Magalhães/Secom TJAC







