27 novembro 2024

José Raúl Mulino é eleito presidente do Panamá, em meio a crise de corrupção no país

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Do início ao fim, o ex-presidente inabilitado Ricardo Martinelli (2009-2014) impôs sua popularidade nas eleições presidenciais deste domingo no Panamá, a democracia mais jovem da região. Antes das nove da noite, o Tribunal Eleitoral (TE) anunciou a vitória do advogado direitista José Raúl Mulino, de 64 anos, o substituto do ex-chefe de Estado condenado por lavagem de dinheiro. Mulino, que recebeu um nível de apoio semelhante ao previsto pelas pesquisas, afirmou ter encarado o resultado com “responsabilidade e humildade”.

Com 85% das urnas apuradas, o candidato do partido Realizando Metas obteve 34,4% dos votos. Foram nove pontos acima do seu seguidor imediato, o candidato antissistema Ricardo Lombana, que superou as expectativas e alcançou 25%. Na sequência, o ex-presidente Martín Torrijos (2004-2009) obteve 16% dos votos. Prejudicado pela baixíssima popularidade do ainda presidente Laurentino Cortizo, o oficialista José Gabriel Carrizo ficou em um distante sexto lugar (5,76%), o pior resultado histórico do Partido Revolucionário Democrático (PRD).

— Chegamos aqui com o voto majoritário do povo panamenho, doa a quem doer — reivindicou um Mulino combativo em seu discurso de vitória, que teve palavras amáveis para Martinelli.

O presidente eleito vislumbrou um governo favorável ao investimento e à iniciativa privada, mas sem esquecer as camadas mais vulneráveis da sociedade, “aqueles que têm fome e precisam de água potável em todo o país” e que considerou sua base eleitoral. No mesmo pronunciamento, ao proclamar o fim da “perseguição política” no país, Mulino afirmou que, “apesar de tudo o que fizeram comigo nesta campanha”, ele não é movido por “nem um pingo de vingança contra ninguém”. A legalidade de sua candidatura foi analisada pela Suprema Corte na última semana, após uma demanda de inconstitucionalidade ter sido apresentada.

A campanha de Mulino transcorreu inequivocamente sob a sombra de Martinelli, um líder populista que desejava retornar à Presidência, mas foi condenado a mais de 10 anos de prisão após ter sido extraditado dos EUA. Mulino, que se consolidou como um favorito inesperado, visitou na manhã deste domingo o ex-presidente na embaixada da Nicarágua na Cidade do Panamá, onde ele está asilado desde fevereiro para evitar a ordem de prisão contra ele. Em um curto vídeo divulgado por seus assessores, os dois se abraçam efusivamente na sede diplomática.

Apesar de a inabilitação também proibir expressamente a participação na campanha, Martinelli manteve um proselitismo ativo na embaixada para promover Mulino, que foi seu ministro da Segurança. O antigo magnata dos supermercados governou o país num momento de forte crescimento e investimentos em infraestrutura —legado que o popularizou, ainda que tenha tido problemas com a Justiça e de tenha sido rotulado pelos EUA como um governante corrupto. À parte do enredo jurídico, Mulino buscou atrair os eleitores com a promessa de retornar aos velhos tempos.

Sem participar dos debates, o advogado liderou consistentemente as pesquisas recentes, nas quais Lombana e Torrijos, que defendeu um discurso de unidade nacional, costumavam alternar a segunda posição. No final foi Lombana, do Movimento Outro Caminho (Moca), quem superou as expectativas, embora tenha ficado longe de surpreender com seu discurso marcado pela anticorrupção. Já nas eleições de 2019, ele havia conquistado um inesperado terceiro lugar sendo um desconhecido. Ao conceder a vitória a Mulino, Lombana parabenizou o oponente e afirmou: “Somos a principal força de oposição da república do Panamá”.

Desafios futuros
Em um país que enfrenta uma forte seca, com protestos massivos em um contexto de desaceleração econômica, o próximo presidente terá que lidar com uma acumulação de problemas fiscais, ambientais, migratórios e de combate à corrupção. A gestão de Cortizo aumentou a tensão social, que atingiu o pico no final do ano passado. Na época, a prorrogação de um contrato da mineradora canadense First Quantum Minerals provocou uma onda de protestos que culminou no cancelamento do acordo e no fechamento da mina de cobre da Minera Panamá, que contribuía com quase 5% do PIB panamenho. Isso se soma à crise hídrica como resultado da seca, um problema que afeta a operação do canal do Panamá.

Embora a economia tenha crescido 7,3% em 2023, este ano irá desacelerar para 2,5%, segundo o FMI. O governo atual deixa para trás um déficit fiscal de 7,4%, uma dívida pública de US$ 50 bilhões e um sistema de segurança social em colapso. O economista Felipe Chapman estima que o próximo presidente, que lidará com um parlamento fragmentado, terá de tomar medidas de ajustamento e depois procurar o crescimento econômico com progresso social. No país com um dos maiores PIB per capita da América Latina — e um dos mais desiguais do mundo, segundo o Banco Mundial — existem comunidades sem água potável, luz, serviços de saúde e coleta de lixo.

Mulino também terá de enfrentar a onda de migração que atravessa a perigosa selva de Darién, que prometeu “fechar”. (Com AFP e El País)

Por O Globo e agências internacionais

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