Nascida numa família pobre de Macuco, a 210 quilômetros da capital fluminense, Maria Raquel da Silva, de 77 anos, aprendeu a ler e escrever em casa, depois de ganhar como presente de Natal caderno, lápis, borracha e cartilha. Escola, só começou a frequentar mais tarde, quando o pai foi trabalhar como zelador num colégio e levou a família para morar no local. Mesmo com toda dificuldade conseguiu alcançar a formação de professores, quando passou a dar aulas. Passados quase 60 anos, mesmo aposentada, decidiu que era finalmente hora de ter um diploma universitário e foi cursar matemática.
Mas, na reta final do curso foi surpreendida com o diagnóstico de um câncer no intestino, que inviabilizaria sua participação na festa de formatura, marcada inicialmente em dezembro. Estava quase certo de que ela teria de receber o diploma individualmente. Mas, comovidos com a situação, os colegas de curso resolveram adiar a solenidade de colação de grau para esperar a idosa se recuperar do tratamento e poder participar da cerimônia, realizada em abril. Agradecida pelo gesto, a agora universitária recém-formada destaca os efeitos da atitude dos colegas.
—Achei muito importante. Não contava com isso. Foi uma surpresa para mim. Ter o carinho dos colegas nesse momento foi muito bom— afirmou dona Raquel, como é tratada na cidade.
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E as surpresas são param por aí: a Universidade de Uberaba (Uniube), em cujo polo de Macuco a aluna estava matriculada num curso à distância de matemática, resolveu presenteá-la com a bolsa para um curso de pós-graduação EAD, podendo escolher entre 200 cursos. Dona Raquel agradeceu e disse que pretende dar continuidade aos estudos.
— Falta agora só decidir o curso — diz a idosa, que descobriu a doença ao fazer uma colonoscopia, faltando menos de um ano para concluir o curso, com quatro anos de duração.
O tratamento foi feito em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Ela foi se recuperando, até que finalmente em abril estava preparada para participar da festa de formatura ao lado dos 16 colegas de curso. A solenidade foi no plenário da Câmara Municipal de Macuco. A última consulta médica está agendada para a semana que vem, o que anima dona Raquel a fazer planos para o futuro.
— Não penso voltar a dar aulas em escola, mas pretendo sim, fazer o estágio de fim de curso — diz a idosa, que agora se dedica a cuidar dos netos, mas ainda recebe em casa alunos que necessitam de reforço escolar.
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A coordenadora administrativa do polo da Uniube em Macuco, Janilda Nunes da Conceição, diz que o que antes era um desafio se constituiu numa missão gratificante com a soma de três presentes: ter dona Raquel como aluna, a solidariedade dos colegas e as homenagens para ela.
— Nosso primeiro pensamento foi realizar a colação de grau dos formandos no final do ano passado, como é de praxe, porém, ela teria que colar grau mais à frente, individualmente, quando concluísse o tratamento de saúde, mas os alunos tomaram a extraordinária decisão de esperar a dona Raquel se fortalecer para que participasse com todos os colegas — apontou a coordenadora.
O pró-reitor de pesquisa, pós-graduação e extensão da Uniube, André Fernandes, lembra que agora, mesmo aposentada, a ex-aluna ainda segue no propósito da educação e terá mais uma oportunidade de potencializar o dom que sempre possuiu, com a oferta da pós-graduação.
—Agora ela faz parte de um seleto grupo de brasileiros, que compõem 23% de graduados no país. E uma surpresa da universidade para ela foi a bolsa para um curso de pós-graduação EAD. E a partir dessa sequência na educação, ela entra no grupo de apenas 3% de brasileiros que possuem uma especialização— concluiu o pró-reitor.
Sessenta anos dedicados ao ensino
Dona Raquel já dava aulas para alunos do ensino fundamental,desde 1964, quando fez concurso público. Em 1971, recebeu uma certificação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (Certificado de Registro de Professor Aprovado em Exames de Suficiência) para poder também prestar concurso e dar aulas no antigo ginásio.
Nascida numa família humilde, ela teve dificuldades para iniciar sua história com a educação. Raquel conta que a família morava na roça e o pai, Manoel Benedito da Silva, não tinha condições de levá-la para o colégio, que era longe.
—No entanto, seu zelo pela alfabetização dos filhos era muito grande. Assim, num Natal, ainda antes dos meus 6 anos ele nos deu de presente, um caderno, um lápis, uma borracha e uma cartilha. E foi com ele que eu aprendi a ler, escrever e contar — conta a idosa.
A oportunidade de frequentar escola surgiu em 1952, quando seu pai começou a trabalha como zelador num colégio e levou a família para morar no local. Ela seguiu nos estudos até alcançar a formação de professores. Após a conclusão do curso passou a dar aulas em escola e em casa para estudantes que precisassem de reforço escolar, sem cobrar dos alunos, por entender que havia recebido um dom divino.
Hoje, ela se orgulha de ter ensinado diversas gerações de moradores da cidade, incluindo pessoas que futuramente se tornaram advogados, médicos, dentistas e outros profissionais. Inclusive, boa parte dos colegas que se formaram com ela no mês passado, na infância foi aluno da colega de turma.
Por O GLOBO
O tratamento foi feito em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Ela foi se recuperando, até que finalmente em abril estava preparada para participar da festa de formatura ao lado dos 16 colegas de curso. A solenidade foi no plenário da Câmara Municipal de Macuco. A última consulta médica está agendada para a semana que vem, o que anima dona Raquel a fazer planos para o futuro.
— Não penso voltar a dar aulas em escola, mas pretendo sim, fazer o estágio de fim de curso — diz a idosa, que agora se dedica a cuidar dos netos, mas ainda recebe em casa alunos que necessitam de reforço escolar.
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A coordenadora administrativa do polo da Uniube em Macuco, Janilda Nunes da Conceição, diz que o que antes era um desafio se constituiu numa missão gratificante com a soma de três presentes: ter dona Raquel como aluna, a solidariedade dos colegas e as homenagens para ela.
— Nosso primeiro pensamento foi realizar a colação de grau dos formandos no final do ano passado, como é de praxe, porém, ela teria que colar grau mais à frente, individualmente, quando concluísse o tratamento de saúde, mas os alunos tomaram a extraordinária decisão de esperar a dona Raquel se fortalecer para que participasse com todos os colegas — apontou a coordenadora.