Por Daniel Zen
A reforma do Novo Ensino Médio de 2017, por meio da aprovação do PL n° 5.320/2023, já aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal, virá em boa hora. No chão de escola, em seu breve período de vigência, o novo se demonstrou, mais do que obsoleto, um problema.
O que parecia uma grande novidade, a suposta liberdade que alunos teriam para “definir” os componentes curriculares da parte flexível do currículo e assim escolher um dos distintos itinerários (trilhas, trajetos rotas ou percursos) formativos disponíveis, a partir de suas vocações e preferências, não se concretizou à contento. Na prática, as Redes Públicas Estaduais de Educação Básica ofertavam poucas opções (ou quase nenhuma) de disciplinas eletivas, optativas e atividades complementares ou suplementares para a composição da parte flexível dos currículos vocacionados e seus itinerários formativos, restando aos alunos apenas dois caminhos inevitáveis:
1) cursar a parte obrigatória do currículo, chamada de Formação Geral Básica (FGB), destinada a quem seguiria trilha acadêmica.
2) “encher linguiça” com disciplinas optativas ou eletivas que não acrescentavam em nada à chamada aprendizagem significativa, na parte flexível/variável do currículo.
Aí havia dois problemas. O primeiro é que a FGB era praticamente idêntica a do “antigo” ensino médio, porém, com uma carga horária reduzida, o que precarizava ainda mais o conteúdo dos componentes curriculares conhecidos como disciplinas; o segundo, que componentes curriculares complementares da parte diversificada do currículo, com conteúdos programáticos irrelevantes não ajudavam em nada a desenvolver capacidades (habilidades e competências) necessárias ao desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo, à qualificação para o mundo do trabalho, para o exercício da cidadania e para o mundo da vida.
Com a reforma, haverá a recomposição das cargas horários das disciplinas que integram a FGB; a definição dos componentes curriculares obrigatórios, que devem integrar as 4 áreas do conhecimento definidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC); e uma melhor definição e organização dos itinerários formativos, que integram a parte flexível do currículo.
Superados os obstáculos legais que impediam o desenvolvimento, a contento, de um Ensino Médio verdadeiramente eficaz no que diz respeito à aprendizagem, é necessário enfrentar um outro problema: o das escolas cívico-militares.
Apesar do anúncio, ocorrido em julho de 2023, pelo Ministério da Educação, do cancelamento do Programa Nacional das Escolas Cívico Militares, este seguiu em alguns estados, independente de financiamento do Governo Federal, por decisão dos governadores. Foi o que aconteceu aqui no Acre.
Ocorre é que escola não é quartel. Colégios Militares existem há décadas e vão continuar existindo. Fazem parte da chamada Educação vocacionada. Escolas Cívico-Militares são outra coisa, completamente diferente. Representam a militarização da Educação e isso é uma distorção no processo de ensino-aprendizagem.
Os alunos ficam mais “disciplinados”? Em alguns casos sim. Os resultados nas avaliações são ligeiramente melhores? Pouco, mas sim! Mas, ao custo de tirar centenas de militares de suas funções, nos quartéis ou nas ruas, pagando-lhes gordas gratificações, maiores até do que o salário total dos professores, para atuarem como “bedéis”, como fiscais de comportamento de alunos. É o RDD da Educação!
Se esses valores, pagos aos profissionais da caserna que atuam nas Escolas Cívico-Militares fossem destinados aos profissionais da Educação, para reforçar o salário de quem já atua nas Escolas, para contratar mais pessoas e, sobretudo, para ampliar, progressivamente, o tempo de permanência dos alunos nas unidades escolares, teríamos resultados ainda melhores para uma quantidade ainda maior de alunos e de estabelecimentos de ensino e não apenas para uma pequena fração que acaba apresentando melhores resultados porque recebem o triplo de investimento em recursos financeiros e humanos.
Escolas Cívico-Militares são, em verdade, uma faceta disfarçada do projeto chamado de Escola Sem-Partido: um malogro de quem defende, da boca pra fora, uma educação sem supostas interferências ideológicas mas que, em verdade, pretende propagar uma ideologia única, que é a deles: conservadora, ultra-liberal, de extrema-direita, militarizada e de pendores fascistas. Os que defendem tal visão desejam ver o filho do pobre na escola cívico-militar para que se mantenham domesticados e dóceis, aptos a receber as ordens da elite, cujos filhos vão para outro tipo de escola: aquela que ensina a dá-las – e não a recebê-las.
Diferente dos Colégios Militares, de educação vocacionada para as respectivas carreiras, Escolas Cívico-Militares não passam de um entulho autoritário, resíduo tóxico do bolsonarismo. São laboratórios para seguir chocando os ovos da serpente do autoritarismo. Logo, elas têm que ser removidas da paisagem, lembradas apenas como uma triste passagem de nossa história.
Daniel Zen é doutorando em Direito pela UnB, mestre em Direito pela UFSC e professor do Curso de Direito da UFAC. Presidente do Diretório Regional do PT/AC, é contrabaixista da banda de rock Filomedusa, ativista do Circuito Fora do Eixo e colaborador da Mídia Ninja. E-mail: [email protected].