Ao meio-dia de uma quinta-feira, a plataforma 74 do movimentado Terminal Rodoviário Novo Rio é ocupada por um ônibus da viação Trans Acreana. Entre tantos veículos que passam pelo local, diariamente, este se diferencia dos demais pelo trajeto que realiza a cada 15 dias. O destino é Lima, na costa do Oceano Pacífico. Da cidade do Rio de Janeiro (RJ) até a capital peruana são mais de 6.200 quilômetros, o que faz esta rota ser reconhecida como a linha de ônibus mais longa do mundo.
A partida ocorre, pontualmente, às 13h. Na direção do ônibus estão os motoristas Izaías Lima e Jardeson Paula. Eles serão os responsáveis por conduzirem o veículo até Rio Branco. Da capital do Acre até Lima outra equipe composta por três profissionais assume o posto. O comando do volante é revezado a cada quatro horas de viagem.
“É um desafio e, ao mesmo tempo, uma satisfação muito grande trabalhar na maior linha de ônibus do mundo. Dirijo com o maior prazer, prezando sempre pela segurança e acabamos tendo contato e conhecendo um pouco da história dos passageiros que viajam com a gente”, explica Izaías.
O ônibus atravessa seis estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre, além dos departamentos peruanos de Madre de Dios, Cusco, Apurímac, Ayacucho, Ica e Lima. Ao todo, são 15 paradas para o café da manhã, almoço, jantar e banho.
A Agência de Notícias do Acre embarcou nesta longa viagem, junto com outros passageiros, e vivenciou, durante seis dias, como é percorrer o trajeto que cruza o continente sul-americano.
O primeiro passageiro chegou… atrasado!
Cerca de 30 minutos após a saída da rodoviária do Rio de Janeiro, o ônibus faz uma parada inesperada. O primeiro passageiro chegou atrasado e para não perder a viagem, a empresa decidiu esperar por ele. Foram cerca de 45 minutos até a chegada do peruano Gerber Huaraca Gihuaña.
“Moro em Jacarepaguá [bairro da Zona Oeste do Rio] e saí de lá onze e meia da manhã, mas não contava que o trânsito iria me atrapalhar. Ainda bem que eles me esperaram e não me deixaram para trás”, disse.
Gerber nasceu em Cusco e veio ao Brasil pela primeira vez em 2019. Ele gostou tanto do Rio de Janeiro, que decidiu ficar. Esta é a segunda vez que o jovem de 23 anos retorna ao país de origem para visitar os familiares.
“Gosto muito daqui. O Brasil é um país bom e aqui moro com os meus tios. Vou passar três meses em Cusco, junto com meus pais, e depois retorno para o Rio de Janeiro”, revela.
49 anos de casamento, muito amor e comemorados com o pé na estrada
A partir de um vídeo que assistiram na internet, o casal Paulo Silva e Maria Silva decidiram que iriam fazer a maior viagem de ônibus do mundo. Moradores de São Paulo, eles escolheram a cidade peruana de Cusco como destino. “É um lugar com muita história e gostamos muito de arqueologia. Por enquanto, só temos reservado o hotel. Quando chegarmos lá, vamos decidir os passeios”, conta a aposentada.
Esta é a primeira vez que eles passam tanto tempo dentro de um ônibus. Da maior cidade da América Latina até a capital do antigo império Inca são quatro dias. “Para nós, que nunca tínhamos passado por esse tipo de experiência, está sendo uma grande aventura passar todos esses dias dentro de um ônibus. As poltronas são bem confortáveis, o pessoal é bacana, têm restaurantes bons e outros mais ou menos, assim como os banheiros, uns são bons e outros não dá para encarar. Nem tudo são flores, têm os espinhos também”, explica Paulo.
Quis o destino que a viagem coincidisse com uma data especial e cheia de significado para os dois. O embarque ocorreu no dia em que Paulo e Maria disseram o ‘sim’ um para o outro. “Estamos comemorando 49 anos de casamento. Não foi algo combinado, mas que está muito bom para nós, que vamos viver uma experiência única”, pontua Maria, que está prestes a celebrar bodas de ouro.
Paulo, aos 76 anos, e Maria, aos 71 anos, provam que a idade não é empecilho para aproveitar a vida. “Você estando bem, com saúde e disposição, é possível sim entrar em um ônibus e viajar por aí. Somos exemplo disso”, explica o aposentado.
Avô e neto em uma grande aventura por terra, céu e água
Quando soube da existência da linha de ônibus mais extensa do planeta, Arnaldo Machado não pensou duas vezes. Ele estava decidido a embarcar no ônibus e muito disposto a conhecer lugares novos. Foram dois anos de planejamento até o dia da viagem. O aposentado não queria ir só. Convidou a esposa e os filhos para fazer companhia, mas nenhum deles aceitou.
Arnaldo resolveu então chamar os netos e um deles, o João Pedro, topou fazer companhia ao avô. O ex-professor reservou as poltronas 3 e 4, na primeira fileira, para ter uma visão privilegiada de todo o percurso. “Eu só iria vir se fosse aqui na frente. Cheguei a procurar no início do ano, por conta das férias escolares dele, mas não estavam disponíveis. O jeito foi aguardar as férias de julho. Isso foi até bom para comprar as passagens com antecedência e garantir nossos lugares”, lembra o homem de 71 anos.
“Para mim, está sendo tudo novo. Eu nunca tinha entrado em um ônibus e nem tinha noção como era por dentro. Vai ser muito legal fazer essa viagem junto com o meu avô”, acrescenta o jovem João Pedro Machado.
O roteiro montado por avô e neto é digno de uma grande aventura pelo continente. Eles saíram da capital paulista em direção a Cusco. Na região, conheceram Machu Picchu. Depois, em outro ônibus, seguiram para Lima. De lá, foram para Iquitos, cidade na Amazônia peruana, em um avião. Em uma embarcação, entraram novamente no território brasileiro por Tabatinga, no Amazonas. Até Manaus, mais 80 horas dentro de um barco, pelo Rio Solimões. Outras 30 horas até Santarém, no Pará. Os últimos trechos da viagem foram de avião até Belém e o retorno para São Paulo.
“Passamos um mês conhecendo lugares maravilhosos e tendo a oportunidade de viver coisas novas. A viagem no ônibus é muito boa. Nos barcos, dormimos na rede, e eu e o João gostamos muito da experiência. Essa viagem também foi excelente para me aproximar ainda mais do meu neto. É algo que aconselho a todos que puderem. Vivi momentos que ficarão gravados para sempre em minha memória”, enfatiza Arnaldo.
Uma viagem de reencontros
As peruanas Karla Callisaya e Crish Zevallos sentaram uma ao lado da outra durante a viagem. Não demorou muito para surgir a amizade entre as duas. Elas, que até então jamais tinham se visto antes, têm algo em comum: moram no Brasil e estão indo visitar a família.
Karla vive e trabalha como costureira em São Paulo desde setembro de 2022. A jovem de 23 anos de idade revela que gosta de morar no país, mas que também sente falta do Peru, principalmente da culinária. “O Brasil é um lugar muito lindo, tem boas praias e eu gosto muito. A comida daqui é boa, mas algo que sinto falta do meu país é o ceviche [prato típico peruano a base de peixe cru marinado em suco de limão]”, responde.
Ela não vê a hora de chegar em Cusco para rever os familiares. “Estou com muita saudade do meu papai, da minha mamãe e dos meus irmãos. Estou muito feliz porque esta é a primeira vez que estou indo reencontrá-los desde que me mudei para o Brasil”, confessa.
Já Crish escolheu Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, para morar e buscar novas oportunidades. Ela chegou à cidade em maio de 2023 e não contava que, um ano depois, o estado gaúcho enfrentaria a maior tragédia ambiental da história. “Sofri com a inundação, a água chegou perto do teto da casa onde moro e perdi praticamente tudo. Foi uma situação bem triste”, relata.
E foi justamente Crish a primeira passageira a desembarcar do ônibus. Ela ficou em Porto Maldonado, cidade 228 quilômetros distante da fronteira do Brasil com o Peru, onde era aguardada com muita ansiedade. Um longo abraço, carregado com muito amor e lágrimas de emoção, marcou o reencontro entre mãe e filha. “Eu estava muito preocupada com ela longe de mim. Estava com muita saudade”, afirmou Yami Zevallos.
Maior linha de ônibus do mundo conta com o apoio do governo do Acre
Durante vários anos, a peruana Expresso Internacional Ormeño operou a linha. Porém, na pandemia de covid-19, a empresa decretou falência após a morte dos proprietários, vítimas da doença. Como o trecho não estava sendo explorado por nenhuma companhia, a Trans Acreana demonstrou interesse em dar continuidade ao serviço.
Conquistar a autorização não foi tarefa fácil. No período pandêmico, a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) modificou algumas regras em relação aos seguros veiculares. Na época, nenhuma seguradora brasileira se encaixava nas normativas exigidas pelo órgão federal.
Em 2022, a viação conseguiu autorização em caráter emergencial para fazer a rota. A primeira viagem internacional transportou uma comitiva do governo do Acre de Rio Branco até Cusco. “O Estado e parceiros foram participar do lançamento da Corredor Turístico Trinacional Amazônico-Andino e da I Feira Internacional de Turismo, que ocorreu em outubro daquele ano. Desde o primeiro momento, o governo demonstrou total apoio à empresa e interesse no sucesso da linha”, destaca Marcelo Messias, secretário de Turismo e Empreendedorismo.
“A presença de uma empresa acreana na operação da maior linha terrestre do mundo é de grande relevância para o nosso estado. Esta rota coloca o Acre em posição estratégica, nessa ligação do Brasil com o Peru, traz benefícios para a nossa região, como a oferta de transporte para a população, e contribui com a geração de emprego e renda”, completa o gestor.
O secretário lembrou do potencial turístico do Acre, que pode ser incluído no roteiro dos viajantes. “Temos a capital, Rio Branco, com toda a sua história, culinária e museus, os festivais indígenas, e na região do Juruá, o turista pode conhecer a Serra do Divisor, o Rio Croa e o Igarapé Preto, por exemplo. São destinos incríveis e com belezas únicas”, reforça.
A longa jornada de seis dias
O começo da viagem é justamente entre as duas maiores cidades do país. O trecho entre o Rio de Janeiro e São Paulo é marcado pelo tráfego intenso de veículos, principalmente de caminhões e carretas, na rodovia Presidente Dutra. A grande quantidade de prédios indica a chegada à capital paulista. No terminal rodoviário do Tietê ocorre a maioria dos embarques. Ao todo, 34 passageiros tomaram seus assentos em direção ao Peru.
“A maior concentração de passageiros é no estado de São Paulo, já que grande parte da colônia peruana no Brasil mora aqui. Muitos acabam indo de ônibus por conta do preço da passagem, que sai bem mais em conta em comparação com o avião, principalmente se a data da viagem estiver próxima, além da bagagem. Cada passageiro pode despachar até 50 quilos e levar uma bagagem de mão de dez quilos. Já os brasileiros vão mais pela aventura em si e pelas paisagens”, explana Rafael Catarino, supervisor das agências da Trans Acreana.
Para trabalhar na rota internacional, os motoristas são submetidos a uma seleta escolha. Seis profissionais, divididos em duas equipes, são os responsáveis por conduzirem o veículo. Para dar mais segurança, cada um deles dirige somente durante quatro horas e só reassume o posto oito horas depois. “Aqui na cabine, temos um espaço, que é tipo um quartinho, onde temos um colchão. Dá para dormir tranquilo e descansar bem”, comenta Jardeson Paula.
Ele trabalha há 11 anos como rodoviário e está prestes a completar o primeiro ano na maior linha de ônibus do mundo. Ao lembrar do pai, que faleceu há 24 anos e também era motorista de ônibus, Jardeson não contém a emoção. “Desde criança, eu via ele dirigir e me identifiquei muito com o que ele fazia. Toda vez que estou no volante, eu lembro sempre dele”, conta.
As características visuais no lado brasileiro são mantidas durante o percurso. Grandes plantações, áreas de pastagens e de silos graneleiros comprovam a força do agronegócio do país. A paisagem também se alterna em terrenos planos, regiões montanhosas e floresta. Pelo caminho, o ônibus passa ainda por muitos vilarejos, pequenas, médias e grandes cidades.
Em território peruano, a rodovia ganha novos contornos a partir da Serra Santa Rosa, 370 quilômetros após a fronteira. As grandes linhas retas das estradas do Brasil dão lugar às curvas extremamente fechadas e sinuosas. O horizonte é tomado por altos morros.
A selva peruana mostra toda a sua exuberância ao longo do caminho. Rios com forte correnteza margeiam a estrada, assim como é possível observar várias cachoeiras. A zona de transição entre a zona de floresta e a vegetação característica do altiplano chama a atenção. O cenário, semelhante a um deserto e com muitas rochas, é novidade para a maioria dos passageiros. “Nunca tinha visto nada parecido. Dá vontade de ficar morando aqui”, afirma o garçom Willian Roncato.
É preciso um motor potente e atenção redobrada dos motoristas para subir a Cordilheira dos Andes, a maior cadeia de montanhas do mundo. Na região do pico Abra Pirhuaiany, ponto mais alto da rodovia Interoceânica Sul, a altitude de 4.725 metros sobre o nível do mar é um desafio constante.
A chegada ao local é um dos momentos mais aguardados da viagem. A beleza da montanha nevada encanta os viajantes, principalmente os brasileiros, que não estão acostumados com este tipo de paisagem. A parada para o primeiro café da manhã no Peru é em um restaurante com vista privilegiada para o Abra Pirhuany. Além da alimentação, os passageiros aproveitam o cenário do lugar para fazer muitos registros fotográficos.
Em grandes altitudes, o oxigênio disponível na atmosfera é menor, como consequência o ar rarefeito causa uma série de desconfortos ao organismo humano. Dor de cabeça, sensação de desmaio, perda de apetite, náusea, vômito e sonolência estão entre os principais sintomas do soroche, o mal da montanha.
“Eu sinto a altitude, mas tudo dentro do normal. Foi uma coisa que eu consegui me adaptar facilmente. Mas têm passageiros e motoristas que sentem náuseas, passam mal e ficam ruins, mesmo. Na subida da cordilheira tem ainda o percalço das curvas, então, aumenta a dificuldade. Por isso, temos que ter mais cautela e ficar atentos, para garantir a segurança de todos”, observa Sandro Nascimento, motorista que realizou a primeira viagem da empresa, na maior linha de ônibus do mundo, em abril de 2023.
Outra mudança significativa é a alimentação. As opções de comida no território peruano são bem diferentes em relação ao Brasil. No café da manhã, por exemplo, é bastante comum o consumo de caldo de galinha. O chá de coca e café bem concentrado são outras novidades, assim como o queijo frito acompanhado de batatas cozidas, tomate e pepino no desjejum.
“É algo que a gente estranha um pouco porque não estamos acostumados a comer neste horário, mas não temos outra opção, né?”, opina a passageira Maria Silva.
É preciso criatividade para fazer o tempo passar. Muitos passageiros aproveitam as muitas horas na estrada para dormir. Com a tecnologia cada vez mais presente, o celular é um escape para os viajantes, que aproveitam para jogar, ver filmes e aproveitar a passagem pelas cidades onde há sinal de internet para mandar mensagens e se atualizar dos acontecimentos.
Há ainda quem prefira o tradicional livro, como foi o caso de Franklin Roque, que aproveitou boa parte do percurso para atualizar a leitura e, principalmente, fazer novas amizades. “No avião, é tudo formal demais. Diferente do ônibus, que te proporciona essa proximidade. Está sendo uma excelente oportunidade para conviver e conhecer as pessoas, bem como suas histórias de vida. Esse objetivo eu já alcancei e vou sair daqui muito satisfeito”, expôs.
O psicólogo também comentou a sensação de morar em ônibus durante cinco dias e das paradas ao longo do caminho. “Está sendo bem surpreendente. Por estar aqui há tanto tempo, já posso até chamar de casa. Aqui eu tenho o meu cafofo, está bem confortável. Em cada lugar que a gente para é uma história e uma aventura diferente. Às vezes, vemos uma comida e tentamos não julgar o livro pela capa, mas que, no final, todas foram boas”, analisa.
Franklin passou 20 dias no Peru e Bolívia, e conheceu os principais pontos turísticos dos dois países. “Superou todas as expectativas que poderia ter traçado. Foi uma experiência além do comum, em que pude vivenciar momentos únicos. Essa viagem foi como abrir uma janela sem saber o que iria avistar. Senti que tudo era possível, que depois de concretizar este sonho, muitos viriam em seguida”, admitiu.
Após quatro dias de viagem e mais de 5 mil quilômetros percorridos, o ônibus chega a Cusco. A cidade, mundialmente conhecida pela cultura e ancestralidade do povo Inca, está entre as mais visitadas da América do Sul. O local é o principal destino dos passageiros, que são atraídos pelo desejo de conhecer as ruínas de Machu Picchu, o Vale Sagrado e a Praça de Armas, entre outros pontos turísticos, além de apreciar a famosa culinária peruana.
No caminho até Lima, o veículo faz uma rápida parada nas enigmáticas Linhas de Nazca. A partir de um mirante de 12 metros de altura, localizado bem às margens da rodovia, é possível observar algumas figuras, entre elas, as que representam um lagarto, uma mão e uma árvore. Desenhadas no meio de um deserto, há mais de dois mil anos, as gravuras ainda são um grande mistério para a humanidade. Existem várias teorias sobre o assunto, como a utilização para rituais religiosos, calendário agrícola e até mesmo a possibilidade de que seres extraterrestres foram os responsáveis pela autoria dos geoglifos peruanos.
“Eu não acredito que esses desenhos foram feitos pelas pessoas que viveram aqui no passado. São figuras muito complexas e eu acredito que os responsáveis por tudo isso aqui são seres mais inteligentes que nós e que vieram de outros planetas”, comenta o empresário Carlos Barrantes.
Os últimos passageiros
Carlos é peruano, mas escolheu o Brasil como seu lar há 24 anos. Neste período, já morou nas cidades de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Manaus, Rio Branco e Goiânia. Atualmente, reside em Cuiabá, capital de Mato Grosso. A cada seis meses, ele viaja a Lima para visitar as filhas, os irmãos e cuidar dos negócios.
O empresário até poderia embarcar em um aeronave para poder economizar quatro dias de viagem, mas o medo de voar não deixa. “Eu acho o ônibus bem mais seguro. Se o avião cair, eu sei que não vou sobreviver. De ônibus, caso aconteça alguma coisa, posso até sair de muletas, mas sei que continuarei vivo”, brinca.
Nos últimos 450 quilômetros do percurso, a estrada cheia de curvas, por conta das cordilheiras, dá espaço a longas retas em meio ao deserto e a costa do Pacífico. Isso faz a viagem render e é um alívio para quem está dentro do veículo há dias. “A parte das montanhas demora bastante e o ônibus anda muito devagar. A gente conversa, dorme e mexe no telefone para o tempo passar. Somos os últimos passageiros e queremos chegar logo em casa”, diz o autônomo Leandro Salas.
Ele é venezuelano e junto com a esposa, Crismari León, e os filhos Dilan José, Kalhe e Thiago estão retornando de Manaus (AM) para a capital peruana. “Passei sete meses visitando minha irmã, e agora estamos voltando. Moramos há cinco anos em Lima”, afirma.
A seguir, um resumo da viagem na maior linha de ônibus do mundo.
Dia 1
Saída do Terminal Rodoviário Novo Rio, no Rio de Janeiro (RJ), às 13h. Ônibus segue em direção à capital paulista pela rodovia Presidente Dutra, uma das mais movimentadas do país. A primeira parada da viagem é para o jantar e ocorre no estado de São Paulo. Com o atraso de cerca de 1 hora para o embarque do primeiro passageiro, o ônibus chegou à Rodoviária do Tietê às 21h15, onde entra a maioria dos viajantes, e deixou o local por volta de 22h.
Dia 2
Da capital paulista, o ônibus percorre cerca de 600 quilômetros durante a madrugada e início da manhã até Presidente Venceslau (SP). Na primeira parada do dia, os passageiros têm 40 minutos para o primeiro banho da viagem e o café da manhã. A travessia do Rio Paraná dá boas-vindas ao Mato Grosso do Sul. Durante a passagem pelo terceiro estado brasileiro da viagem, mais duas paradas: uma para o almoço e outra para o jantar e o banho.
Dia 3
No início da madrugada, o ônibus chega ao Mato Grosso. Na capital, Cuiabá, uma rápida parada para o embarque de mais um passageiro. Ao meio-dia, os viajantes entram em Rondônia e almoçam na cidade de Vilhena. A parada também é aproveitada para mais um banho. À noite, o jantar foi em Ouro Preto do Oeste (RO).
Dia 4
O ônibus chega em Porto Velho (RO) na madrugada e mais passageiros embarcam na maior linha de ônibus do mundo. Os viajantes amanhecem o dia já no estado Acre. Por volta de 7h da manhã, parada para o café, em Rio Branco. Na capital acreana, a empresa faz a troca dos ônibus, a substituição dos motoristas e o embarque dos últimos viajantes. Durante a tarde, após percorrer seis estados brasileiros e cerca de 4.400 quilômetros, os passageiros chegam a Assis Brasil (AC), na fronteira com o Peru. A primeira parada no território peruano ocorre durante a noite, em Puerto Maldonado, para o jantar.
Dia 5
O dia amanhece com mudanças na paisagem. As grandes áreas de plantações, pastagens e florestas do Brasil, que são geralmente planas, dão lugar às montanhas da Cordilheira dos Andes. Transformação também se vê na rodovia. A estrada, cheia de curvas sinuosas, e a altitude são um desafio a mais para os motoristas, que precisam redobrar a atenção durante o trajeto. O café da manhã é com vista para um pico nevado e com a temperatura próxima de zero grau. O ônibus chega em Cusco durante a tarde. A maioria dos passageiros desembarca na cidade, que é o principal e mais famoso destino turístico do Peru.
Dia 6
No último dia, o ônibus passa pelo trecho mais perigoso de toda a viagem. A “estrada da morte”, entre Cusco e Nazca, é conhecida por suas curvas extremamente fechadas, subidas e descidas em grandes altitudes, que beiram muitos precipícios. Pela manhã, duas rápidas paradas. Uma para o café e outra para conhecer as enigmáticas Linhas de Nazca. Às 15h30, após percorrer mais de 6.200 quilômetros, o ônibus chega ao Grande Terminal Atocongo, em Lima, capital do Peru.
Quanto custa e o que é necessário para fazer a viagem
A passagem de ida do Rio de Janeiro a Lima (ou vice-versa) custa R$ 1.300. As viagens são realizadas a cada quinze dias e as saídas são sempre às quintas-feiras. O ônibus faz ainda paradas para embarques e desembarques nas rodoviárias de São Paulo (SP), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e nas cidades peruanas de Porto Maldonado, Cusco e Abancay.
Para ingressar no Peru, cidadãos brasileiros precisam apresentar passaporte ou documento de identidade (RG), que deve estar em boas condições e com menos de dez anos de emissão. Turistas podem permanecer no país vizinho por até 90 dias, sem a necessidade de um visto. Todos os trâmites migratórios são realizados nas cidades fronteiriças de Assis Brasil e Iñapari, oportunidade em que os viajantes que optam levar dinheiro em espécie podem fazer a troca do real brasileiro pelo novo sol peruano.
Relato dos passageiros e da equipe
“Para mim, está sendo uma aventura tremenda visitar outro país, já que eu nunca tinha saído do Brasil. De ônibus, temos a oportunidade de passar por vários estados. Ver a mudança da paisagem, os diferentes fusos horários, o clima diferente, ter a oportunidade de subir a Cordilheira dos Andes e sentir a altitude serão experiências que vou guardar para sempre na memória.”
Silas Lima, engenheiro eletricista.
“Em 32 anos, essa foi a viagem mais extraordinária que fiz em toda a minha vida. Nunca tinha visto nada parecido com essas essas paisagens em toda a minha vida. Um lugar mágico e que dá vontade de ficar morando aqui. O que mais gostei foi das paisagens e do carisma dos peruanos e dos turistas. Cusco é um lugar mágico e voltarei lá novamente.”
Willian Roncato, garçom.
“Viajar na maior linha de ônibus do mundo foi uma experiência única. São mais de 6 mil quilômetros e muitas mudanças de paisagens no caminho. Sair do Rio de Janeiro, no litoral do Oceano Atlântico, percorrer o interior do Brasil, subir a Cordilheira dos Andes e chegar até Lima, na costa do Oceano Pacífico, dentro de um ônibus foi algo marcante. Como jornalista, conhecer e ter a oportunidade de contar as histórias das pessoas que embarcaram nessa viagem foi um grande privilégio. Este é o tipo de reportagem que a gente nunca esquece.”
Wesley Moraes, repórter.
“Atuo no jornalismo há 20 anos e confesso que esta foi uma das melhores experiências que já tive na profissão. Para mim, que trabalho na captação de imagens, o desafio foi ainda maior. Foram seis dias de muito trabalho e dedicação. Sou muito grato por poder fazer a viagem na maior linha de ônibus do mundo e espero que mais pessoas tenham esta mesma oportunidade, que vale muito a pena.”
Cleiton Lopes, repórter cinematográfico
“O que me marcou muito nessa viagem foi ter passado por seis estados brasileiros e outros seis departamentos do Peru. Foi muito bom poder subir a Cordilheira dos Andes e conhecer as Linhas de Nazca. Também foi muito bom presenciar a realização de sonhos, como foi o caso do avô que levou o neto para viver uma grande aventura juntos e o casal que comemorou os 49 anos de casamento com o pé na estrada. Parabenizo a empresa Trans Acreana pelo desafio de operar a maior linha de ônibus do mundo e proporcionar aos passageiros esta importante rota turística.”
Via Secom