A ação movida pela Boa Palavra contra a Globo, cobrando maior transparência nos pagamentos de direitos autorais de Manoel Carlos, não é um fato isolado. Ela é, na verdade, o mais recente sintoma de uma relação que já vinha se desgastando há bastante tempo. Nos bastidores, a tensão entre a família do autor e a emissora não se limita ao dinheiro: envolve reconhecimento, memória e a disputa sobre quem tem a palavra final na preservação do legado de um dos maiores nomes da teledramaturgia brasileira.
Um dos pontos de atrito surgiu quando a Globo anunciou que preparava um episódio de “Tributo” dedicado a Maneco. A família afirma que o autor jamais foi convidado a participar, enquanto a emissora sustenta o contrário. Essa divergência não seria apenas um detalhe burocrático: ela reflete a sensação da família de que a Globo não deu ao autor, especialmente em seus últimos anos de carreira, o espaço e a valorização proporcionais à sua importância.
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Foi nesse contexto que Julia Almeida, filha de Manoel Carlos, produziu e lançou de forma independente um documentário sobre o pai no YouTube. A iniciativa, pensada como um gesto de afeto e de memória, acabou gerando mal-estar dentro da Globo, que viu no projeto da família uma possível concorrência ao seu próprio especial de homenagem. A reação da emissora, segundo pessoas próximas ao autor, deixou claro que a disputa não era apenas sobre prestígio, mas sobre o controle da narrativa: quem tem o direito de contar a história de Manoel Carlos?
Esse embate expõe uma contradição histórica. A Globo, que sempre soube celebrar seus autores enquanto estavam em plena atividade, tem mostrado dificuldades em lidar com o legado deles quando se afastam por questões de saúde ou por aposentadoria. A família de Maneco, diante desse vácuo, assumiu o protagonismo, mas acabou se chocando com a postura da emissora, que não parece disposta a abrir mão da centralidade em torno de homenagens e produtos derivados.
Assim, o processo na Justiça não surge do nada — ele apenas cristaliza um desgaste antigo. De um lado, uma família que busca transparência e reconhecimento para o autor; de outro, uma emissora que tenta preservar sua autoridade sobre obras e homenagens. Entre as duas partes, fica a obra de Manoel Carlos, patrimônio cultural que moldou a teledramaturgia brasileira e que agora se torna também objeto de disputa.






