8 dezembro 2025

O Brasil em guerra (por Felipe Sampaio)

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Engana-se quem prefere acreditar que a Terra da Santa Cruz é um país pacífico, que não vivencia uma guerra nas fronteiras nacionais há um século e meio, desde a Guerra do Paraguai. Naquela ocasião perderam a vida cerca de 60 mil brasileiros, uns 30 mil argentinos e mais de 100 mil paraguaios, em cinco anos de combates devastadores, que inviabilizaram até hoje nosso vizinho pobre.

Basta prestar atenção aos dados oficiais da Segurança Pública, para constatarmos que nos últimos cinco anos de ‘paz’ foram assassinadas mais de 200 mil pessoas, só aqui na nossa terrinha do carnaval e da simpatia. Com apenas 3% da população mundial, somos capazes de dar conta de 10 % dos homicídios do planeta. Estamos em guerra sim, desde sempre.

E são várias as nossas frentes de combate. A população e o Estado brasileiro encontram-se sob fogo cruzado, mal conseguindo reagir. A recente operação Faria Lima revelou que as batalhas modernas se dão também nos corredores do sistema financeiro nacional e internacional. É difícil encontrar um segmento da economia que não esteja contaminado por ações ilegais associadas ao chamado crime organizado: cigarros, bebidas, agrotóxicos, combustíveis, mineração, madeira, artes, plataformas digitais, armas, política, impostos, contratos públicos, entre outros.

O atentado cinematográfico que tirou a vida do combativo delegado Ruy Ferraz Fontes, mostrou ao vivo e a cores o grau de relação entre o crime e as atividades da administração pública. Terá sido morto por seu enfretamento destemido contra as facções paulistas ou já seria por seu trabalho exemplar na prefeitura em que era Secretário? O mais provável é que esteja tudo misturado.

Outro front crítico no nosso paraíso da hospitalidade tem sido o ataque implacável de setores políticos menos republicanos e pouco democráticos, que fustigam o Estado, seja pelo flanco Executivo, seja no campo Judiciário, ou no terreno Legislativo. Nenhum dos três Poderes está a salvo do bombardeio impiedoso de extremistas e irresponsáveis. O resultado do julgamento do denominado “núcleo crucial da trama golpista” pela Suprema Corte traz um alento para aqueles que pretendem uma nação pautada por alguma civilidade. Enquanto isso, deputados aprovam a PEC da blindagem e pregam anistia ampla.

Por outro lado, o Estado brasileiro também é paquerado pelas tensões internacionais. O presidente americano busca justificativas patrióticas e iluministas para sua rajada de tarifas, tendo alvejado a produção brasileira exportadora com o tirambaço de 50 % contra importantes produtos vendidos tradicionalmente ao mercado Ianque. Ao que parece, o Tio Sam anda com os bolsos furados e cansou de arcar com os custos e deveres da globalização anticomunista. Declarou guerra às economias de antigos aliados, para encher os cofres americanos, sabe-se lá para que propósitos.

Entre tantas modalidades de guerras, internas e externas, o Brasil busca superar velhas ameaças como a desigualdade social, o déficit de infraestrutura e a mudança climática. Os números recentes são animadores, mas a população espera por dias melhores. A expectativa se reflete nos índices desfavoráveis de percepção de segurança e prosperidade. Afinal, ao contrário do que preferimos imaginar na nossa história, o Estado brasileiro enfrenta adversários incansáveis, dentro e fora das nossas fronteiras, na guerra permanente pela riqueza que produzimos.

 

Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em grandes empresas e no terceiro setor; dirigiu o sistema de dados e estatísticas do Ministério da Justiça; ex-diretor do Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; foi subsecretário de Segurança Urbana do Recife.

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