29 novembro 2024

‘Muito ruim’, ‘inoportuna’: especialistas criticam viagem de Bolsonaro à Rússia neste momento

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Especialistas ouvidos afirmam que a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, planejada desde o ano passado, é importante, mas, neste momento, “ruim” e “inoportuna”.

Bolsonaro embarca na segunda-feira (14) e tem encontro marcado em Moscou com o presidente Vladimir Putin na quarta (16).

O pano de fundo da visita é a movimentação de tropas e os exercícios militares na fronteira com a Ucrânia e a acusação dos EUA de que a Rússia planeja invadir o país vizinho, o que Putin nega. Temendo a iminência de uma guerra, países ocidentais orientaram seus cidadãos a deixar a Ucrânia.

Diplomatas e professores de relações internacionais avaliam que é a Rússia é um importante parceiro do Brasil, mas entendem que a viagem de Bolsonaro neste momento pode ampliar o desgaste do presidente brasileiro com outros parceiros, como EUA e União Europeia, ambos críticos de Putin.

“É legítima a viagem à Rússia, se justifica do ponto de vista comercial, mas o momento é muito ruim. Tem o risco de o presidente Bolsonaro fazer uma declaração impensada, descontrolada, que pode ter consequências ruins”, afirma Mauricio Santoro, doutor em ciência política e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

A orientação da diplomacia brasileira para Bolsonaro é só falar sobre a crise entre Rússia e Ucrânia se Putin tocar no assunto. Mas o presidente já antecipou que espera uma solução pacífica.

Para Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington, a visita de Bolsonaro é “extremamente inoportuna”.

Segundo ele, eventuais acordos não terão impacto no comércio, enquanto o presidente aumentará o isolamento com líderes ocidentais, apesar da tentativa de demonstrar o contrário.

De acordo com o diplomata, Bolsonaro acena à base conservadora porque também irá à Hungria, governada pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, líder de extrema-direita.

“Esse tipo de viagem apenas reforça a imagem que Bolsonaro já tem, a de ser um autoritário. Ele vai visitar dois autocratas, figuras antidemocráticas”, diz Rubens Ricupero.

No mês passado, o presidente negou que a visita represente um sinal de apoio à Rússia no atual contexto de crise. Mas, segundo Ricupero, mesmo que Bolsonaro tente se manter neutro, a viagem será interpretada como um gesto pró-Putin, uma vez que na diplomacia “o que você faz, muitas vezes, tem mais eloquência que uma declaração”.

Para o professor Mauricio Santoro, a presença de Bolsonaro em Moscou faz parte do esforço de Putin para mostrar que não está isolado – recentemente visitaram o país os presidentes da França, Emmanuel Macron, e da Argentina, Alberto Fernández.

“Receber o presidente brasileiro é importante porque os russos querem evitar essa imagem de que estejam dependendo basicamente do apoio de países como Belarus ou China”, diz.

O Itamaraty tenta desvincular a viagem de Bolsonaro do conflito na Ucrânia e destaca a oportunidade de ampliar a relação comercial com a Rússia, concentrada no agronegócio, que movimenta cerca de US$ 5 bilhões ao ano.

A cifra é considerada inferior à capacidade comercial dos dois países. O Brasil vende produtos como soja e carne, enquanto compra, em especial, fertilizantes. A Rússia também é um grande produtor de petróleo.

“O comércio [bilateral] representa menos de 2% nas pautas de importação/exportação dos dois países. O comércio exterior da Rússia está voltado para a Europa e se concentra na venda de gás natural e petróleo. Em outras partes do mundo, o grosso é concentrado na venda de armamentos. O Brasil não participa como parceiro importante nesses dois setores”, explica o professor Fabiano Mielniczuk, doutor em relações internacionais e coordenador do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

De acordo com o Itamaraty, Bolsonaro é o sexto presidente a visitar a Rússia. Brasil e Rússia têm relações diplomáticas desde 1828, com dois períodos de interrupção, e se tornaram parceiros estratégicos em 2000. Os países estão no Brics, bloco de economias emergentes, junto com China, África do Sul e Índia.

“Nossa relação com a Rússia é sólida e independe da solução de conflito com a Ucrânia. Também estamos no Brics, uma plataforma de interlocução com grandes países, que inclusive influenciam na governança do mundo”, explica Aloysio Nunes, ministro das Relações Exteriores no governo de Michel Temer (2016-2018).

Conselho de Segurança

A volta do Brasil ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), em uma das vagas rotativas, ampliou a atenção para a viagem de Bolsonaro.

O país tem votado alinhado com os EUA, o que, segundo fontes do Itamaraty, não deverá mudar. Mas será difícil para Bolsonaro sustentar uma posição neutra por muito tempo, avalia a pesquisadora Larlecianne Picolli.

“O Brasil vai ser chamado de algum modo a se posicionar e a expressar suas opiniões na ONU sobre o que está acontecendo na Ucrânia”, declarou.

Para os especialistas ouvidos pelo g1, um hipotético apoio explícito de Bolsonaro à Rússia teria repercussão diplomática negativa.

Mas, mesmo nessa hipótese, a tendência seria rejeitar uma guerra, analisa o embaixador aposentado e professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Henrique Cardim.

“A posição brasileira é a posição de sempre — é defender a solução diplomática”, afirmou.

Na avaliação do professor Mauricio Santoro, uma guerra não interessa aos países envolvidos direta e indiretamente no conflito. Para o Brasil, teria impactos econômicos, como queda da bolsa de valores e aumento dos preços de combustíveis.

“Uma guerra na Europa abalaria muito a economia global neste momento delicado da pandemia. Isso traria repercussões negativas para todos os países”, analisa.

O professor Fabiano Mielniczuk afirma que é difícil mensurar neste momento possíveis impactos no Brasil, já que não se tem clareza das sanções econômicas que podem vir a ser aplicadas contra a Rússia no caso de uma invasão à Ucrânia.

A tensão na Ucrânia

A Ucrânia integrou o império russo e foi uma república soviética. Faz fronteira com a Rússia e outros seis países. Em 2014, a Rússia anexou a Crimeia, uma província da Ucrânia, e agora pressiona para barrar a entrada do país na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), grupo liderado historicamente pelos EUA. Os países da Otan, interessados em reduzir a influência russa, se negam a atender a demanda.

O professor Fabiano Mielniczuk, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que a Ucrânia tem na população uma minoria russa e convive com disputas internas entre grupos a favor e contrários à Rússia.

“Se a Ucrânia entrar na Otan, Moscou ficará totalmente impotente para agir caso a situação dos russos no país piore”, afirma.

A aliança de segurança da Otan, criada durante a Guerra Fria, segue ativa e recebeu países do leste europeu, com atuação cada vez mais próxima das fronteiras russas.

Isso desagrada Putin, segundo Larlecianne Piccolli, doutora em relações internacionais, que estuda a política de defesa da Rússia e a disputa nuclear entre países.

Criticado por interferir na soberania de outro país, Putin se opõe à entrada Ucrânia na Otan também por causa do equilíbrio entre nações com armas nucleares, baseado na capacidade de resposta na mesma intensidade a um eventual ataque. Com a Ucrânia integrada, a Otan poderia ter bases mais próximas de Moscou.

“Hoje, com bases da Otan na Polônia e na Romênia, o tempo do disparo até atingir Moscou seria de cerca de 15 minutos. Se o ataque é lançado de uma posição muito próxima, essa relação cai para cinco a sete minutos. Possivelmente, o país agredido não teria tempo de preparar a resposta”, explica Larlecianne, diretora de pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape).

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