Após três dias de julgamento, os jurados decidiram na tarde desta quinta-feira (16), mais precisamente às 15h22, pela condenação de Hitalo Marinho Gouveia, que matou a esposa Adriana Paulichen, de 23 anos, em 9 de julho de 2021. O júri popular ocorreu na 2ª Vara do Tribunal do Júri e Auditoria Militar, em Rio Branco.
O júri condenou Hitalo a 31 anos de reclusão em regime inicial fechado por homicídio com três qualificadoras: motivo torpe, feminicídio e recurso que impediu a defesa da vítima. Um agravante na pena foi acrescentado, em razão do crime ter sido praticado na frente do filho.
Ao ler a sentença, o juiz Alesson Braz falou sobre a importância da sociedade colaborar no combate à violência contra mulher. Indicou ainda os números 180 e 190 para denúncias. Citou o Centro de Atendimento à Vítima (CAV), Defensoria Publica e varas de proteção à mulher como canais de denúncias.
“Briga de marido e mulher tem que meter a colher para evitar que esses casos cheguem aqui nas portas do tribunal do júri“, pontua.
Após o término da leitura da sentença, a irmã da vítima, Juliana Paulichen, se limitou a dizer à imprensa que estava emocionada. Questionada se sente que a justiça foi feita, respondeu: “Não literalmente porque nada vem trazer nossa irmã de volta”.
No primeiro dia, informantes e testemunhas de acusação e defesa foram ouvidas. No segundo, o réu foi interrogado, bem como ocorreu os debates orais entre defesa e promotoria do Ministério Público do Acre (MP-AC). Já nesta quinta (16), houve réplica, tréplica e leitura da sentença, que foi dada após mais de três horas depois do fim da tréplica.
O segundo dia de júri foi marcado pelo depoimento de Hitalo Gouveia. Dentre as declarações dadas, o réu confessou que matou a esposa e alegou que o filho estaria correndo perigo. Disse também que agressões eram constantes por parte dela. Chegou a declarar, inclusive, que ela deu um soco no nariz que acabou quebrando.
Juiz Alesson Braz explica os trâmites do 2º dia do júri de Hitalo Gouveia — Foto: Iryá Rodrigues/g1 Acre
O juiz Alesson Braz perguntou o que fez ele continuar com uma pessoa que deu um murro dele. “Ela me pediu desculpa, [disse] que foi um momento de transtorno, que se arrependeu e eu acreditei. As agressões físicas demoraram para voltar, mas tinham as agressões verbais”, falou.
Hitalo disse ainda que, para que se sentisse mais segura, propôs o casamento para oficializar a relação entre ambos. “Foi um casamento simples, chegamos a programar uma viagem, mas veio a pandemia e tivemos que adiar. Estávamos com passagem comprada, hotel pago, mas não deu certo”.
O réu relembrou que mesmo o matrimônio não foi suficiente para Adriana parar com os “transtornos”: “Ela ficava alterada, gritando. Voltaram as agressões após sair a denúncia do meu trabalho, de assédio. Ela estava com oito meses de gestação. Ela achou que eu tinha traído ela”, disse, relembrando uma suposta acusação de assédio no trabalho.
Os episódios de agressão, contou ainda, que se intensificaram durante e após o período gestacional da esposa. “Eu apanhava praticamente todos os dias nesse período próximo ao parto dela. Era às vezes com a mão, cabo de vassoura, copo, desodorante, ela batia na minha cabeça. Eu não fazia nada, só pedia pra ela parar”, disse.
Após o depoimento, a promotora Manuela Canuto iniciou as perguntas ao réu, na tarde de quarta-feira (15), relembrando de uma declaração dele na delegacia: “Na delegacia, o senhor disse ‘pegou uma faca e deu duas facadas na vítima’. Você deu uma ou duas facadas?”. Ele disse que deu duas facadas.
A promotora seguiu lembrando que ele disse na delegacia que após as duas facadas, a vítima foi para cima dele e começou a bater nele e que ele então começou a estrangular ela, depois deu um mata-leão.
“O senhor é muito preciso ao dizer na época que ficou apertando o pescoço da vítima por cinco minutos. E continua dizendo que quando viu que Adriana estava sem vida, ligou para o Jean e depois para o advogado. Então, em primeiro lugar, queria saber: como o senhor sabia que a vítima não estava mais com vida?”, indagou a promotora.
Advogado Sanderson Moura é membro do corpo de defesa de Hitalo Marinho — Foto: Iryá Rodrigues/g1 Acre
A promotora também disse que o laudo do exame de corpo de delito não consta que o nariz dele estava quebrado. “Naquele momento eu posso ter me expressado mal. Falei aquilo devido ao sangramento que tive no meu nariz”, justificou ele sobre o motivo de ter declarado na delegacia que ela tinha quebrado o nariz dele.
O promotor Thalles seguiu às perguntas e questionou sobre o porquê de Hitalo ter se limpado e limpado o local após o crime. Hitalo negou que tenha feito essa limpeza e acreditou ter sido a limpeza feita pela irmã de Adriana após o primeiro momento, quando ele ficou ferido e foi para o hospital.
Após a conclusão das perguntas, a defesa realizou os questionamentos. O advogado Sanderson mostrou uma foto de Hitalo na delegacia para dizer que ele estava sim com lesão no nariz.
Durante a argumentação da promotoria do MP-AC, a promotora Manuela Canuto mostrou dados de feminicídio no Brasil e no Acre e disse sentir que a vítima estava sendo culpabilizada.
“Há uma clara tentativa de se julgar a vítima. Em certos momentos, me pergunto quem está sendo questionado. Vejo que a Adriana, vítima tão nova, tem sido culpabilizada pela sua morte. Infelizmente, quando as mulheres morrem, vemos o réu, que estrangula até a morte, culpando a vítima. Resta à família chorar“, falou.
Promotora do MP-AC, Manuela Canuto, diz que há uma tentativa de culpabilizar Adriana Paulichen — Foto: Aline Nascimento/g1 Acre
O promotor Thalles Ferreira Costa também começou dizendo que Hitalo segue matando Adriana. “Não conseguiu conter uma mulher de 54 quilos, precisou dar duas facadas e estrangular ela. Ele é tão mentiroso e dissimulado porque perguntei se tinha mexido no corpo dela e disse que não. Ele conhece tudo desse processo”, destacou.
Na fala, ele também mostrou que Hitalo mexeu no corpo e colocou panos nas feridas. A todo tempo, chamava o réu de narcisista. “Colocou pano e gazes na ferida. Mexeu no corpo. Fez tudo isso porque uma personalidade narcisista não aceita um não”, complementou.
Thalles destacou também que Adriana criou um comportamento agressivo para se defender. “Comportamento criado na Adriana foi de bater no Hitalo, de se defender. Se fosse a Adriana aqui, estava todo mundo chamando de infiel, a traidora. Como é o contrário, é a louca”, disse.
Promotor Thalles Ferreira diz que família ficou dilacerada após morte de Adriana Paulichen — Foto: Aline Nascimento/g1 Acre
Sanderson iniciou defendendo a mãe de Hitalo das falas dos promotores com relação ao diário. Segundo ele, ela foi chamada de “coviteira”, termo utilizado para descrever uma mulher que acoberta e protege romances proibidos.
“Não estou aqui dizendo que ele é santo, longe de mim, eu não sou e como vou dizer que ele é? Quem aqui não tiver nenhum pecado conjugal, que atire uma pedra nele [Hitalo]. Não quero ser superior a ele e nem quero que seja santo”, falou, complementando que Hitalo não tem antecedentes criminais porque a mãe o ensinou assim.
Também durante sua fala, pediu uma oportunidade para que o Hitalo pudesse se defender. “Não vim aqui para bater em mesa, gritar. Vim para defender. Peço espaço para que eu exponha a defesa. Será que tudo que ouviram aqui é sobre uma defesa sem fundamento?”, falou.
Sanderson também criticou os apontamentos do MP sobre o comportamento de Hitalo. “Ele confessou o crime. Qual o interesse dele de virar ou desvirar [o corpo]? Teve todo tempo do mundo para fugir, mas não fugiu. Se entregou. Interpretações cruéis, baixas. Quando a gente quer ver erro nas pessoas, a gente vê tudo”.
Durante a defesa, o advogado apontou que Adriana tinha inveja do relacionamento de Hitalo com a mãe dele, que não gostava. Disse ainda que ela não teve carinho de pai na infância e tinha uma relação conturbada com a mãe. “Ela invejava de alguma maneira aquele abraço, carinho, da mãe colocar no braço. Causa uma certa inveja, nostalgia. Ele teve esse amor, acompanhou o tratamento da mãe, pagou psicólogo. Não abandonou”, falou.
A defesa questionou o comportamento de Adriana durante o relacionamento, que em momentos de raiva agredia Hitalo e xingava a mãe do réu. “Tinha momentos de picos e vales. De pico quando era uma boa vendedora, boa mãe, boa filha. Quando estava no vale, dizia que para dona Mara que era uma velha ‘sem vergonha’, que apoiava as traições do filho, que agredia o marido. Com esse histórico de agressão, que até justificaria um histórico de reação, cadê as reações dele? Ela tinha os picos ee vales mais doentios e graves que os nossos”.
E continuou: “Não estamos diante de um caso de feminicidio, [ele] amava a mulher. Não entra nas estatísticas de feminicídio, de caras que chegam embriagados em casa e batem na mulher. Não estamos diante de um feminicídio. Matou para defender ele e o filho”, pontuou.
Dentre os momentos que mais marcaram os embates, destaca-se a fala do advogado de defesa, Sanderson Moura, que pediu aos jurados, na tréplica, que desconsiderassem a qualificadora de feminicídio.
“Esse homem estava todo tempo sob impulso de violenta emoção. Muitos homens já teriam matado essa mulher antes, quando ela corria atrás dele para bater, quando corria atrás dele com faca, com cabo de vassoura“, disse.
Além disto, Moura também falou que Hitalo era o ‘maltratado nessa relação’. “Essas facadas não expressam o ódio dele. Ele não chegou esfaqueando, 10 ou 20 facadas por maldade, foi no desespero de ‘sai daí, sai daí'”.
Na réplica, a promotora Manuela Canuto fez o uso da palavra dizendo que o réu mente para se livrar da culpa e que o laudo tem que ser analisado de forma mais criteriosa, em razão de ser feito por humanos.
“O que mais importa, nesse aspecto, não é o laudo, é o que o réu disse, inclusive, várias vezes. O réu sabia muito bem o que estava fazendo. Estrangulou até a morte. Falou com a maior tranquilidade que asfixiou e como ele fez. Vamos aqui desconsiderar? Porque o laudo não faz menção a isso”, continuou.
O promotor Thalles seguiu com a fala da promotoria e disse que Hitalo treinou as falas para convencer o júri de que ele é inocente.
“O Hitalo ontem contou para a gente em quatro horas uma versão ensaiada, treinada […] em algum momento, nas quatro horas que ele esteve aqui, ele disse que se arrependeu do que fez? Ele não demonstrou nenhum remorso.”
Visivelmente emocionada, Andreia Paulichen, que é irmã da vítima, chorou em diversos momentos das falas dos promotores.
No primeiro dia, disse em entrevista antes do início do júri, na terça-feira (14), que esperava a justiça ser feita, principalmente em razão do filho da vítima, que cresce sem a mãe.
“Foi uma batalha muito grande, tanto emocional como física, para a guarda dele, e assim, tudo que eu queria era ele. Para mim foi a maior vitória: a guarda dele. Mas não consigo dizer que sou uma pessoa feliz porque falta ela. E como eu vou dizer que sou uma pessoa feliz vivendo o sonho dela, que era o filho dela, né?!”, comentou.
Andréia Paulichen, irmã de Adriana, chora ao ouvir fala do promotor Thalles Ferreira — Foto: Aline Nascimento/g1 Acre
Ela foi a primeira a depor, tendo sido ouvida como informante. Ao juiz, a irmã da vítima disse que soube por um site de notícias e que ela caiu no chão no momento em que soube da morte de Adriana. Um dos momentos mais emocionantes foi quando Andreia chorou ao lembrar de quando viu a imagem de sua irmã dentro de um saco preto. “Eu que dei a notícia para a família toda. Liguei pra mãe dele, falei que o filho dela era um assassino e porque ele tinha feito isso com ela”, frisou.
O juiz disse que algumas testemunhas relatam que Adriana era violenta com Hitalo e perguntou à irmã se ela sabia algo sobre essas situações.
Andréia afirmou que uma vez viu ele machucado, mas ele disse para ela foi um acidente. Sobre a irmã bater no marido, ela disse que soube de uma vez que ela jogou o celular nele e machucou o nariz. Segundo ela, isso aconteceu quando a irmã descobriu “falta de respeito” por parte dele ao ter chamado uma ex para trabalhar com ele.
O magistrado disse que no processo, Hitalo alega que Adriana estava com travesseiro e que teve a impressão que ela queria matar o filho. Após isso, Braz questionou sobre como era o tratamento da sua irmã, que sonhava em ser mãe, com a criança.
“Ela era uma ótima mãe, era o sonho dela ser mãe. O bebê tinha tudo do bom e do melhor, gostava de vestir ele com roupa de homenzinho, ela queria ver ele crescer, parecia que tinha pressa de ver ele crescer. Teve uma vez que o Hitalo me disse que ela tinha tentado chutar a criança. Eu peguei minha moto, fui lá e perguntei o que tinha acontecido e ela disse que ele estava mentindo. Naquela época, ela estava planejando o aniversário dele e ele só tinha seis meses de vida. Ele só mamava ainda”, disse Andréia.
Por Iryá Rodrigues e Renato Menezes, g1 AC