Para poder atuar na profissão após concluir a graduação de Direito, o advogado precisa estar habilitado e licenciado na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Entrentanto, ao cometer certas infrações disciplinares, o profissional pode perder o registro , ter a carteira cassada e ficar impossibilitado de trabalhar na advocacia.
A reportagem do ContilNet apurou casos recentes envolvendo advogados acreanos e constatou que mesmo cometendo crimes graves, os profissionais seguem com o registro na Seccional Acre ativo.
Todos os casos checados ganharam grande repercussão na mídia acreana e foram motivo de intensos debates entre juristas. Até o momento, boa parte deles cumprem pena, inclusive em regime fechado.
O presidente do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil no Acre, Andrias Abdo Wolter Sarkis, explicou que o conselho é formado por um grupo de 18 juristas, e 17 votantes, que deliberam sobre os pedidos de cassação dos registros ou penalização por infrações disciplinares.
O representante do Conselho de Ética informou que cada caso precisa ser investigado levando em consideração as suas peculiaridades. Sarkis explica ainda que a maioria dos processos correm em sigilo, como a legislação rege quando se trata sobre trâmites que envolvem advogados investigados. Os acusados são amparados com as chamadas “prerrogativas”.
“É importante que nós entendamos as peculiaridades de cada caso. Às vezes a gente acaba criando uma falsa percepção de um assunto que é diferente daquilo que realmente é. No Tribunal de Ética nós somos cobrados. Não dá para gente suspender alguém sem ter noção real do que é o caso”.
Dos casos analisados pelo ContilNet, apenas dois tem processo disciplinar instaurado no Tribunal de Ética da OAB. O restante nunca foi encaminhado. Segundo o presidente, o motivo: não houve pedido oficial para abertura de processo pelas partes interessadas.
“Existem casos aqui [dentre os apresentados pela reportagem] que tem processo disciplinar correndo e existem outros que não tem, porque cabe a quem representar as vítimas ou as autoridades policiais encaminhar os pedidos via ofício”, explicou.
Ainda em relação aos casos, a OAB não detalhou cada um. De acordo com o Tribunal de Ética, os processos são sigilosos e precisam ser resguardados.
Veja os casos checados pela reportagem
Antônio Djan Melo
Em janeiro do ano passado, o advogado Antônio Djan Melo atropelou 4 pessoas na Avenida Getúlio Vargas, em Rio Branco. Na audiência de custódia, o advogado teve a prisão preventiva decretada. Ele se recusou a fazer teste do bafômetro, porém, a Polícia Militar declarou que o advogado apresentava claros sinais de embriaguez. Duas das quatro pessoas atingidas pelo carro do advogado precisaram de atendimento urgente pela equipe do Samu.
Anteriormente, em 2020, ele já tinha sido preso após dirigir também com sinais de embriaguez e se envolver em acidente.
Antônio Djan Melo ainda havia sido preso em 2016, acusado de abusar da confiança de seus clientes. No momento da prisão, o delegado responsável pelo caso informou que o mandado de prisão foi expedido pela 1ª Vara Criminal e que o processo contra Antônio foi iniciado pelas polícias Civil e Federal.
Vania do Nascimento Barros
Ainda em 2022, a advogada Vania do Nascimento Barros foi conduzida à Delegacia de Sena Madureira, interior do Acre, após tentar entregar um celular a um detento no presídio Evaristo de Moraes.
Vania responde em liberdade acusada de infringir o artigo 349-A do Código Penal – Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.
Ismael Tavares da Costa
Um dos casos mais recentes é envolvendo o advogado Ismael Tavares da Costa, investigado na Operação Boi de Ouro, acusado de participar de uma quadrilha especializada em roubo de gado no Acre. Ismael foi preso em fevereiro, no Batalhão de Operações Especiais (Bope).
Ismael passou a responder o processo em liberdade, por medidas cautelares, utilizando tornozeleira eletrônica. Ismael ocupava o cargo de conselheiro da Seccional Acre, e teve liberdade concedida em março deste ano.
João Figueiredo Guimarães
Um dos casos que mais viralizou nas redes sociais foi o do advogado João Figueiredo Guimarães, de 74 anos.
Em 2021, o advogado foi pego tentando entrar com cartas e documentos que seriam entregues a presos envolvidos em organizações criminosas, no Presídio Francisco de Oliveira Conde.
Além das cartas e documentos, João tentou entrar também com quase meio quilo de drogas. Anteriormente, o advogado já havia tido passagens pela polícia e respondido processo por corrupção de menores em 2009, estupro em 2010 e crime tentado em 2014.
Levi Bezerra de Oliveira e Kamila de Araújo Lopes
Ainda neste ano, em fevereiro, durante a Operação Columba, a Polícia Federal prendeu os advogados Levi Bezerra de Oliveira e Kamila de Araújo Lopes, acusados de agirem como pombo-correios de uma organização criminosa, em Cruzeiro do Sul, interior do Acre. O advogado Levi Bezzera negou que teria sido preso pela PF: “Fui alvo de uma busca e apreensão ilegal, cuja a legalidade está sendo discutida dentro autos, reafirmo que não tenho nenhuma ligação com Organização Criminosa, é tanto que não fui sequer indiciado.” disse
Segundo as investigações, os dois eram responsáveis por realizar as trocas de informações entre membros da facção que estão dentro dos presídios e os que estão fora.
Todos os registros analisados pela reportagem foram colhidos no site da Organização dos Advogados do Brasil. Os dados são de domínio público e qualquer cidadão brasileiro pode consultá-los.
Com a palavra a OAB
Em nota assinada pelo presidente Rodrigo Aiache, a Organização dos Advogados do Brasil (OAB) Seccional Acre, explicou como funciona o processo de tramitação no Tribunal de Ética. No esclarecimento, a instituição informa que para realizar a abertura de processo no Tribunal de Ética, a parte interessada precisa se manifestar formalmente. Além disso, o TED não tem papel de investigar os casos, mas sim, de julgar os processos instruídos pelas próprias partes representantes.
Veja na íntegra:
Em relação aos casos apresentados pelo site de notícias ContilNet, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Acre, vem esclarecer os seguintes pontos:
O colegiado disciplinar da OAB Acre é constituído por uma composição independente, cuja função é processar e julgar ações disciplinares contra advogados e advogadas com base nas previsões do art. 34 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB). Nesse contexto, o Tribunal de Ética e Disciplina atua de modo a proceder ao julgamento de processos instruídos pelas próprias partes representantes, sem ter a função de investigação ou apuração dos casos. Portanto, é necessário que a parte ofendida apresente uma representação diretamente ao TED por meio do atendimento presencial, e-mail ou, ainda, por meio de advogado, instruindo o processo com todos os documentos necessários para a apuração do caso.
É bastante comum a apresentação de representações sem qualquer documento comprobatório de suas alegações ou com documentos e dados insuficientes, o que impede a devida apuração das representações. Nos casos apresentados na matéria, verificamos que se trata de possíveis infrações criminais, cujas ações penais estão em curso ou sequer foram propostas. Isso impede a ação de ofício da OAB, uma vez que, na maior parte dos casos, o profissional não utilizou necessariamente sua função de advogado para o suposto cometimento da infração criminal.
Nos casos em que a ação do advogado ou da advogada foi possibilitada pela utilização de sua função profissional, a OAB Acre instaurou processo disciplinar, que se encontra em tramitação sigilosa, conforme determina a lei. É importante destacar que as infrações disciplinares evoluem, ganhando novos contornos. Recentemente, o Conselho Federal da OAB aprovou a inclusão da violência contra a mulher como infração ético-disciplinar. Tal proposição, inclusive, foi aprovada na última semana na Câmara dos Deputados, seguindo para aprovação pelo Senado Federal.
Independentemente da infração cometida ou da forma como ocorreu o cometimento de determinado crime, é importante fazer a devida diferenciação das ações profissionais e das condutas que ocorrem no âmbito pessoal. Mais do que qualquer outra classe, a OAB preza sempre pela defesa do devido processo legal e do contraditório, o que é materializado na tramitação cautelosa e na ampla oportunidade de defesa garantida a todos os advogados e advogadas processados em nosso tribunal de ética.
Rodrigo Aiache Cordeiro
Presidente da OAB/AC