29 março 2024

Moro: “Bolsonaro queria interferir pessoalmente na PF, ligar para diretores e superintendentes e ter acesso a relatórios”

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24 Abr de 2020 do YacoNews


O ex-juiz federal Sergio Moro anunciou nesta sexta-feira sua saída do cargo de ministro da Justiça, após o presidente Jair Bolsonaro exonerar o diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo,  nome de confiança do ministro na corporação. A troca, segundo Moro, seria uma interferência política na PF sem uma causa que fosse aceitável. O ministro chegou a relatar a conversa que teve com Bolsonaro na quinta-feira sobre a demissão do diretor. Disse que o presidente deixou claro que gostaria de fazer uma interferência política no órgão.

Ontem conversei com o presidente. Houve insistência nessa troca. Falei que seria interferência política, e ele disse que seria mesmo” disse.

Segundo o ministro da Justiça, o presidente “sinalizou que tinha preocupações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF)”, em referência às investigações em curso sobre fake news e os atos antidemocráticos do último fim de semana.


 “O presidente queria uma pessoa que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações de inteligência, e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar essas informações” disse Moro.

  “O presidente também informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca seria oportuna nesse sentido. Também não é uma razão que justifique, pelo contrário até gera preocupação” ressaltou.

Ainda de acordo com Moro, Bolsonaro afirmou que precisa de delegados na PF com quem ele possa ter contato, inclusive tendo acesso a relatórios de inteligência.


 “Falei com presidente que seria interferência política, e ele disse que seria mesmo. Presidente me disse mais de uma vez expressamente que queria ter uma pessoa do contato dele, que ele pudesse ligar, ter informações, colher relatórios de inteligência. Seja diretor, seja superintendente, não é papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. Imagina se durante a própria Lava-Jato, ministro ou diretor-geral, ou a presidente Dilma ou o ex-presidente Luiz (Lula) ficassem ligando para o superintendente…. Autonomia da PF é valor fundamental. Grande problema não é quem entra, mas por que alguém entrar. Eu fico na dúvida se vai conseguir dizer não (a Bolsonaro) em relação a outros temas.”

Promessa de carta branca

Moro destacou na entrevista  que foi prometido carta branca a ele.


 “Foi me prometido, na ocasião, carta branca para nomear todos os assessores, inclusive o superintendente da Polícia Federal” disse, lembrando do convite feito por Bolsonaro.

 “No final de 2018 eu recebi convite do então eleito presidente Jair Bolsonaro. Isso eu já falei diversas vezes, e fui convidado a ser ministro da Justiça e da Segurança Publica. O que foi conversado com o presidente foi que teríamos compromisso com o combate à corrupção e à criminalidade. Foi me prometido na ocasião carta branca para nomear todos os assessores, inclusive o superintendente da Polícia Federal” afirmou Moro.

Autonomia da PF no governo do PT

O ex-juiz chegou a afirmar que, na gestão anterior do governo federal durante a gestão petista, foi garantida a autonomia aos trabalhos da PF e que isso permitiu o avanço da Lava-Jato.


— É certo que o governo da época tinha inúmeros defeitos. Aqueles crimes gigantescos de corrupção, mas foi fundamental a autonomia da PF para que fosse realizado esse trabalho. Seja de bom grado, seja pela pressão da sociedade — disse.

O ministro afirmou que não estabeleceu como condição ao cargo uma indicação ao Supremo Tribunal Federal, mas disse que pediu a Bolsonaro que fosse garantida uma pensão à sua família, caso acontecesse a ele alguma coisa.

— Tinha uma única condição que eu coloquei. Eu disse que, como estava abandonando 22 anos da magistratura, contribuí por 22 anos à Previdência, perdia ao sair da magistratura essa Previdência. Pedi apenas que, se algo me acontecesse, pedi que a minha família não ficasse desamparada sem uma pensão. Foi a única condição que eu coloquei — afirmou.

A saída de Moro, uma semana após a demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, amplia o isolamento político de Bolsonaro e significa a perda do principal fiador de seu discurso de combate à corrupção.

A perda do aliado também ocorre em meio ao crescimento nos casos de coronavírus no país, assunto que provocou desgastes entre Moro e Bolsonaro. O ministro defendia medidas mais duras para manter o isolamento, como punição a quem descumprisse quarentena, enquanto o presidente tem se manifestado em favor de um relaxamento do isolamento.


— Busquei ao máximo evitar que isso acontecesse, mas foi inevitável. Não foi por minha opção —  disse Moro no início da entrevista coletiva.

Moro encerrou o discurso afirmando que irá procurar emprego no futuro e que está à disposição do país.

— Vou procurar mais adiante um emprego. Não enriqueci no serviço publico como juiz. Quero dizer que independentemente onde eu esteja, eu vou estar à disposição para ajudar o país. Sempre respeitando o mandamento do Ministério da Justiça e Segurança Publica nessa gestão que é fazer a coisa certa sempre. Muito obrigado — afirmou.

Da Lava-Jato a desgaste no ministério
Ex-juiz da 13ª Vara Federal da Curitiba, Moro foi responsável por conduzir os processos da Operação Lava-Jato, incluindo a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Ganhou projeção política no cargo e, após o resultado das eleições de 2018, foi convidado por Bolsonaro para comandar o Ministério da Justiça. Moro, então, decidiu deixar o cargo de juiz federal, no qual tinha estabilidade e carreira garantida, para aceitar o convite e integrar o governo federal.


Como ministro, porém, Moro passou a acumular desentendimentos com Bolsonaro, tendo sido desautorizado em diversos atos da gestão. No primeiro mês da gestão, Bolsonaro editou um decreto para flexibilizar porte e posse de armas sem pareceres técnicos do ministério. Moro mostrou desconforto com o projeto e disse que a medida não era política de segurança pública. Depois, Moro indiciou a cientista política Ilona Szabó como suplente para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. A militância bolsonarista nas redes sociais reagiu, e o ministro foi obrigado a desfazer o convite após telefonema de Bolsonaro.

Seu principal projeto na pasta, o pacote anticrime, foi desidratado na Câmara dos Deputados e não recebeu o apoio esperado de Bolsonaro. Moro também atuou contra a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli que paralisou investigações iniciadas com base em relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), movimento que irritou Bolsonaro, porque a decisão de Toffoli beneficiava a investigação de seu filho Flávio Bolsonaro por rachadinhas.


O Globo

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