Como uma praga, que começou com o roubo de cabos e instalação de antenas paralelas, o gatonet – como é chamado o sinal de TV fechada clandestino – evoluiu.
Os criminosos agora estão usando a internet para oferecer acesso a sinais de filmes e de canais de TV por assinatura. E como não depende mais de uma central física de distribuição de sinal, os negócios ganharam uma expansão. Antes restrito a favelas e comunidades, o gatonet esticou as garras para bairros da Zona Norte do Rio.
Todo o processo que envolve a prestação desse serviço é ilegal. Desde a exibição de filmes e produções audiovisuais, sem pagamento de direitos autorais, ao contrabando do decodificador, do tipo TV Box, passando pela instalação do software pirata, que capta irregularmente o sinal das operadoras de TV por assinatura.
No ano passado, as autoridades apreenderam mais de 1 milhão de aparelhos TV Box contrabandeados, no valor de R$ 1 bilhão.
Números do gatonet
Em 2021
- Operações conjuntas: 9
- Aparelhos apreendidos: 120,2 mil
- Última operação integrada: em 31 de março
- Apreensão nesta operação: 13.200 aparelhos
- Valor estimado deste contrabando: R$ 9,9 milhões
Em 2020
- Operações conjuntas: 23
- Aparelhos apreendidos: mais de 1 milhão
- Valor estimado do contrabando: cerca de R$ 1 bilhão
Fonte: Divisão de Vigilância e Repressão ao Contrabando e Descaminho (Receita Federal) e Polícia Civil
“Tudo é crime. Então, as pessoas devem desconfiar de empresas ou pessoas que oferecem acesso ilimitado a 700 canais de filmes e TV, cobrando quantias irrisórias, que muitas vezes chegam a 10% do valor cobrado pelas operadoras de TV a cabo. Por isso, quando alguém recebe uma oferta como essa, deve comunicar o caso a uma delegacia”, disse o delegado Fabrício Oliveira, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil.
‘Serviço paralelo’ em expansão
O serviço, anunciado como IPTV – que decodifica e transmite os sinais de TV via internet banda larga – vem sendo ampla e irregularmente ofertado em favelas e comunidades, principalmente por milicianos.
E agora começa a chegar a bairros da Zona Norte, como Rocha, Maracanã, Riachuelo. Mas podem alcançar qualquer região do Rio. Folhetos de propaganda são discretamente deixados em portarias e caixas dos Correios.
Num deles, por R$ 30 mensais, é possível ter acesso a mais de dez mil conteúdos, incluindo toda a programação de canais de TV por assinatura, além de filmes e séries, e serviços on demand (assistir aos programas de que mais se gosta na hora em que quiser),com imagem em alta definição. E avisa: “Alô, alô, não é gato”.
Vendedor explica uso do aparelho
Ou, como diz um vendedor, depois de destacar que é preciso baixar um aplicativo no celular do cliente:
“É IPTV, funciona através da internet direto na TV. Não precisa de cabo, de fio. A instalação é on-line. Só precisa ter alguns desses aparelhos descritos no panfleto. Ou Smart TV ou TV Box. Ou um celular, um computador, um notebook, um tablet, entendeu? Toda programação de canal fechado é liberada na TV ou no aparelho que você quiser assistir. Fica mais barato porque é pelo sinal da internet, entendeu?”
O vendedor diz ainda que se trata de um “serviço paralelo”. Ou seja, não está ligado a operadoras de telecomunicação oficial, como Claro ou Sky.
E como o sinal dos canais de TV fechados é captado pelo Wi-Fi, é preciso que o cliente disponha de serviço de internet de mais de 20 megas de velocidade para não ter problemas com as transmissões.
“Com menos do que isso, não posso garantir a qualidade. Agora, se a sua TV não for Smart TV, tem de comprar um TV Box. Eu não vendo TV Box, mas é fácil comprar. Tem em qualquer magazine, na Uruguaiana. Dá para comprar pela internet também”, informou o vendedor, dizendo que o aparelho deve custar uns R$ 150, mas esse valor compensa com a baixa mensalidade que ele oferece.
Ou seja, quem não tem uma Smart TV precisa desse decodificador que, quando conectado à internet via Wi-Fi, se transforma num centralizador e reprodutor de conteúdos de mídia de uma TV.
“Eles compram esses aparelhos muito barato na China. Antes, instalavam um dispositivo pirata para captar o sinal da TV por assinatura. Agora, os aparelhos já chegam com esse dispositivo. O TV Box não é ilegal, ele é aparelho para transformar uma TV normal em Smart TV, mas o contrabando e o dispositivo são ilegais”, afirma o delegado.
Mais de 1 milhão de aparelhos apreendidos
O delegado Fabrício Oliveira diz ainda que essa nova modalidade de gatonet, que se vale da tecnologia, é mais difícil de ser encontrada, já que os desvios de sinal são feitos pela internet.
“Os criminosos não precisam mais de uma central física de distribuição do sinal. E como não estão mais limitados geograficamente por cabos e antenas, estão saindo das comunidades e se estendendo por bairros e outros cantos da cidade, onde tenha sinal de internet. Isso demanda uma investigação muito mais apurada”, disse.
O delegado diz que o desmantelamento de quadrilhas que exploram essa nova modalidade do gatonet é mais complexo, trabalhoso e delicado. São feitas operações da Polícia Civil integradas com a Polícia Federal e a Receita Federal, para evitar o contrabando dos aparelhos (TV Box).
A Superintendência Regional da Receita Federal na 7ª Região Fiscal (ES/RJ) informa que o aparelho certificado pela Anatel pode ser importado e comercializado normalmente, mas a maioria chega ao país contrabandeado.
E é aí que está o “pulo do gato”: nesses aparelhos que chegam ilegalmente são instalados aplicativos para furto de sinal de TV a cabo e exibição ilegal de filmes, o que fere a lei dos direitos autorais.
Por Alba Valéria Mendonça, G1 Rio