19 abril 2024

Lideranças e instituições lançam documento repudiando ameaças aos territórios indígenas no Acre

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Lideranças e representantes dos povos Nukini, Nawa, Shawãdawa, Noke Ko’ī, Apolima Arara e Huni Kuĩ lançaram um documento de repúdio às ameaças aos territórios indígenas no Acre. Entre os destaques, logo no primeiro item, as lideranças afirmam que a deputada Mara Rocha procurou moradores e indígenas que vivem em regiões próximas ao Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) para assinar um documento que desfavorece a comunidade.

“Repudiamos a forma maldosa que está sendo articulada pela Deputada Mara Rocha abordando moradores do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) e indígenas que vivem na região do PNSD para assinatura de documentos sem a compreensão ou entendimento do conteúdo que estão assinando e sem que se tenha feito qualquer consulta às lideranças indígenas”, afirma documento.

De acordo com as lideranças, as pessoas estão sendo levadas a assinar documentos em que abrem mão de seus direitos aos recursos naturais e em apoio ao Projeto de Lei 6024/2019 sem nenhuma discussão e sem que possam compreender suas consequências. “Exigimos que nenhum cadastro ou pedido de assinatura de documentos seja feito sem prévio conhecimento das lideranças e comunicação à FUNAI”, afirma o grupo.

Eles também trataram sobre as ameaças à floresta, recursos naturais e detalharam as necessidades das comunidades, sendo contrários a expansão da BR 364 em direção à fronteira com o Peru e a proposta de construção de estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa “por causa dos impactos culturais e sobre a fauna, flora e recursos naturais da região, o que provocará a escassez da água, aumentando o aquecimento global e as mudanças climáticas”, argumentam.

O documento foi construído a partir das discussões realizadas no Encontro de lideranças indígenas do Alto Juruá, realizado nos dias 8, 9 e 10 de setembro. Organizado pelos caciques e lideranças da Aldeia Recanto Verde em parceria com a Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) e a Comissão Pró Índio do Acre (CPI – Acre), o resultado foi publicado no site da CPI.

Confira na íntegra:

TERRITÓRIOS INDÍGENAS DO ALTO JURUÁ: AMEAÇAS E ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA E ARTICULAÇÃO

Nós, lideranças e representantes dos Povos Nukini, Nawa, Shawãdawa, Noke Ko’ī, Apolima Arara e Huni Kuĩ, reunidos no Encontro de lideranças indígenas do Alto Juruá, organizado pelos caciques e lideranças da Aldeia Recanto Verde em parceria com a Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) e a Comissão Pró Índio do Acre (CPI – Acre) para discutir as ameaças aos nossos territórios, à floresta e aos recursos naturais de nossa região, apresentamos o presente documento com nossos posicionamentos e encaminhamentos .

Repudiamos a forma maldosa que está sendo articulada pela Deputada Mara Rocha abordando moradores do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) e indígenas que vivem na região do PNSD para assinatura de documentos sem a compreensão ou entendimento do conteúdo que estão assinando e sem que se tenha feito qualquer consulta às lideranças indígenas. Essas pessoas estão sendo levadas a assinar documentos em que abrem mão de seus direitos aos recursos naturais e em apoio ao Projeto de Lei 6024/2019 sem nenhuma discussão e sem que possam compreender suas consequências. Exigimos que nenhum cadastro ou pedido de assinatura de documentos seja feito sem prévio conhecimento das lideranças e comunicação à FUNAI.

O Projeto de Lei 6024/2019 que quer acabar com o Parque Nacional da Serra do Divisor deve ser apresentado para consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região. Esse tema deve ser discutido internamente com apoio de assessoria para que sejam entendidos os riscos ao meio ambiente e aos territórios, com informações sobre seu conteúdo e sobre as consequências para o modo de vida das comunidades e para a natureza, o que não foi feito.

Não queremos que acabe o PNSD. Nós queremos que o Parque funcione dentro da lei. O que está acontecendo é o que não pode: cada vez tem mais morador dentro do Parque, muita invasão para caça, pousadas e proprietários de fora chegando e abrindo novas áreas. Nós queremos ser parceiros para a gestão do Parque Nacional.

Reivindicamos que qualquer alteração na categoria da unidade de conservação PNSD leve em consideração os direitos dos povos indígenas da região, as demandas territoriais existentes e a relação dos povos com esse território. No Parque Nacional estão áreas de refúgio de caça, palheiras e sítios sagrados que preservamos. Não aceitamos qualquer tipo de exploração predatória e que não seja pensada e discutida com as comunidades do Parque e do entorno do Parque.

Reforçamos a necessidade de que as reinvindicações territoriais dos povos indígenas Nawa e Nukini sejam consideradas em qualquer discussão sobre o território, junto com o compromisso de reconhecer e preservar os sítios sagrados onde nasceram os ancestrais e onde estão nossas medicinas sagradas.

Convocamos o ICMBio a cumprir integralmente as suas atribuições legais e a fazer gestão compartilhada para vigilância e fiscalização considerando que as Terras Indígenas do entorno possuem agentes agroflorestais indígenas, comunicadores, guias turísticos e monitores capacitados para fazer essa gestão em parceria com o ICMBio.

Reconhecemos que a vaga no Conselho Consultivo do PNSD é um importante avanço, mas ainda identificamos a necessidade de maior espaço de escuta a nós, povos indígenas que vivemos no Rio Moa, pelos gestores do Parque.

Somos contra o PL 490, feito para abrir as terras indígenas para a mineração, para cultivo de transgênicos, para atividades econômicas desenvolvidas por não indígenas e para mudar as regras de demarcação das terras indígenas, impedir a ampliação de terras indígenas existentes e que cria a ideia do marco temporal contra o direito originário dos povos indígenas.

Somos contra a expansão da BR 364 em direção à fronteira com o Peru e a proposta de construção de estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa por causa dos impactos culturais e sobre a fauna, flora e recursos naturais da região, o que provocará a escassez da água, aumentando o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Sabemos que os impactos de uma obra como essa incluem violência, consumo de bebida alcoólica, atividades ilícitas, doenças causadas pela contaminação da água e poluição, comprometimento das nascentes de água, invasão de terras, grilagem, compra de terras para o agronegócio, prostituição, exploração sexual de menores. A proposta da estrada como apresentada em projeto de governo não trará nada de bom para a região e para nossas comunidades.

A expansão da BR 364 vai facilitar a exploração florestal madeireira ilegal e o desmatamento, como já aconteceu em outros lugares. Sabemos que a construção de uma estrada causa a abertura de ramais espinha de peixe que favorecem o acesso de qualquer empresa, garimpeiros e outros interessados na exploração ilegal dos recursos naturais.

O trecho já construído da BR 364 não tem manutenção adequada para transportar mercadorias. É melhor investir nos agricultores familiares indígenas e ribeirinhos do que pensar que devemos importar alimentos do Peru como diz a propaganda enganosa do programa da rádio.

Somos contra a proposta de expansão da BR 364 e de projetos para a exploração de gás e petróleo, mineração e outros que causem grande impacto aos nossos territórios e à natureza do Parque Nacional.

Exigimos que Projetos de Lei, de infraestrutura ou de exploração que venham incidir sobre a região sejam previamente informados a todas as comunidades através das suas lideranças, que levarão internamente ao conhecimento de todos, com respeito ao nosso direito de consulta. Todos os diálogos sobre esses projetos devem levar em conta a participação das lideranças gerais das terras indígenas e de cada comunidade e aldeia.

Da mesma forma, queremos que as ações da assistência social desenvolvidas pela prefeitura sejam previamente comunicadas às lideranças e que todas as famílias que tenham direito sejam cadastradas e não só um número de famílias determinado pela prefeitura.

Exigimos que o governo respeite e garanta o direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais à consulta livre, prévia e informada, de acordo com a Convenção 169 da OIT e Decreto 5051 de 2004.

Realizaremos intercâmbio com povos que tem experiência com a elaboração de protocolos de consulta para orientar os povos e comunidades que ainda não possuem seus protocolos.

Convocamos nossos parceiros e aliados das ONGs, Universidades e Organizações Indígenas a nos apoiar nas estratégias de proteção territorial e na recuperação de áreas degradadas.

Identificamos a necessidade de construir e ampliar espaços de diálogo e formação sobre os impactos ambientais relacionados à proposta de construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa. Além da necessidade de ampliar as discussões entre nós indígenas, identificamos também que é importante fortalecer as alianças com nossos vizinhos, suas organizações de base e os gestores públicos. No caso dos vizinhos, destacamos os ribeirinhos moradores do PNSD, do Projeto de Desenvolvimento Sustentável São Salvador, do Projeto de Assentamento Amônia e, também, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Mâncio Lima. E os órgãos públicos ICMBio, IBAMA, Polícia Federal e Exército, porque estamos em região de fronteira.

Definimos que é importante fazer articulação com as secretarias de meio ambiente do município de Mâncio Lima e do estado do Acre para informações sobre o monitoramento dos impactos ambientais, especialmente os desmatamentos, queimadas e caças ilegais. E, também, para oportunidades de parceria para atividades formativas e de manejo de animais silvestres.

Queremos continuar a ter acesso a materiais informativos sobre a região de fronteira entre o Peru e o Juruá, no Brasil. Solicitamos que as organizações parceiras e as organizações indígenas apoiem com informações e assessoria técnica para entendermos os impactos socioambientais e os nossos direitos.

Solicitamos a presença e acompanhamento do Ministério Público Federal para garantir a proteção de nossos direitos.

Terra Indígena Nukini, Aldeia Recanto Verde, em 10 de setembro de 2022.

BAIXE O PDF: Documento do Encontro de Lideranças Indígenas do Alto Juruá – setembro 2022

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