Relator-geral do orçamento da União em 2021, o senador Márcio Bittar (União-AC) encaminhou R$ 11 milhões em emendas do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para a Santa Casa da Amazônia, acusada de cometer fraude para receber os recursos. Na recepção da entidade, administrada por um amigo do parlamentar, há fotos do congressista e da mulher dele, Márcia Bittar, candidata a senadora pela PL. O Ministério Público Federal entrou como ação na Justiça em março para pedir a anulação do repasse.
Na condição de relator, Bittar era o responsável por coletar sugestões de alteração ao orçamento apresentadas por deputados e senadores e enviá-las ao Executivo. Parte delas era feita por meio das emendas de relator ao orçamento secreto, instrumento usado por parlamentares para destinar verbas federais a seus redutos eleitorais sem serem identificados. O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou a falta de transparência e determinou a divulgação dos autores das indicações e das destinações.
No caso das emendas de Bittar, o MPF sustenta que o administrador da entidade beneficiada, o ex-deputado federal José Aleksandro da Silva, lançou mão de estratégias de confusão patrimonial para que o dinheiro chegasse ao destino. O hospital que ele comandava inicialmente se chamava Santa Casa de Rio Branco. Criada em 1975, a unidade acumulou dívidas trabalhistas e tributárias, o que a impedia de receber verbas públicas. Nesse cenário, de acordo com o procurador Lucas Almeida, responsável pela investigação, Aleksandro reativou o CNPJ de uma outra entidade, com o nome de Santa Casa da Amazônia, para onde foram destinadas as emendas de Bittar. Os dois hospitais, porém, funcionam no mesmo endereço, em Rio Branco, capital do estado.
Relação próxima
“Pela análise das consultas realizadas em relação à inscrição da Santa Casa da Amazônia (…), fica claro por que os dirigentes das entidades fizeram uso deste CNPJ alternativo: sabiam, antecipadamente, que os impedimentos da Santa Casa de Rio Branco inviabilizaram a destinação das emendas parlamentares”, afirmou o integrante do MPF na ação. O processo mira transferências ao hospital que totalizam R$ 96 milhões em verbas públicas, entre elas as emendas de Márcio Bittar.
Procurado, o senador não respondeu às tentativas de contato do GLOBO. Aleksandro afirmou que não há provas de qualquer irregularidade supostamente cometida por ele. Disse ainda que atua há mais de 20 anos pela causa social para “melhorar o sistema de atendimento ao paciente”.
Aleksandro e Bittar não tentam ocultar a proximidade entre eles. Em setembro de 2021, ambos estavam no lançamento da pedra fundamental da reforma da Santa Casa. Na referida pedra há um texto onde se lê que o “estimado amigo Márcio Bittar” estará “em cada ambiente, em cada inauguração, em cada evento ou serviço”, “abrilhantando” o local “com uma foto oficial sua, ao lado da foto oficial do nosso presidente da República Jair Messias Bolsonaro”. De fato, a imagem do senador foi exposta na parede ao lado da de Bolsonaro.
“Está demonstrado que houve violação aos princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade, porque o evento realizado em 23 de setembro de 2021 e as homenagens registradas pela vistoria do MPF demonstram que há promoção política de Senador da República e favorecimento à ex-esposa do Senador da República”, afirmam os procuradores.
Noutro trecho da ação, o MP diz: “o uso de emendas parlamentares como moeda de troca de favores entre os Poderes Executivo e Legislativo e seus apoiadores locais viola a finalidade e a motivação dos atos administrativos, em afronta à moralidade administrativa.
Sistema sucateado
Os procuradores abordam a precariedade do sistema de saúde local para questionar a escolha da Santa Casa como o destino da verba. Eles “narram um cenário de “falta de equipamentos, ineficiência no funcionamento, carência de especialistas” que assolam outros hospitais como Hospital das Clínicas, Maternidade Bárbara Heliodora e INTO.
Conforme O GLOBO revelou na semana passada, a Fundo Nacional de Saúde tem sido utilizado para abastecer redutos eleitorais de aliados do governo, sem critérios técnicos. As transferências via FNS dificultam a fiscalização, pois são realizadas na modalidade conhecida como “fundo a fundo”: o dinheiro do orçamento vai para o fundo nacional e, de lá, é repassado diretamente para um fundo estadual ou municipal de saúde.
Veja a publicação original em O Globo