19 abril 2024

Guerra suja nas redes, aposta em ‘fake news’, batalha religiosa, apoios inéditos: como foi a campanha do 2º turno da eleição

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Batalha frenética nas redes sociais, “guerra santa” (com a religião levada insistentemente ao centro do debate) e inéditas declarações de apoio vindas de personalidades e de ex-adversários políticos marcaram a campanha de segundo turno da eleição 2022 (veja mais no vídeo acima).

Nas quatro semanas que sucederam o primeiro turno, realizado em 2 de outubro, ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) envolveram-se em um embate turbulento, que girou ainda em torno de menções a satanismo, canibalismo e pedofilia. Esse cenário conflituoso levou a uma intensa atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tentar coibir e punir eventuais irregularidades.

Houve também um episódio de violência no qual o ex-deputado federal Roberto Jefferson, que é apoiador do candidato à reeleição, disparou tiros de fuzil e lançou granadas em policiais federais.

Na véspera da votação, marcada para este domingo (30), o g1 relembra os destaques campanha de segundo turno, que se encerra oficialmente neste sábado (29). Veja abaixo os principais pontos da disputa e, em seguida, detalhes de cada um deles:

Declarações de apoio – houve grande engajamento de artistas, atletas e influencers que, no passado, não costumavam declarar votos; ex-adversários políticos de Lula ou de Bolsonaro também se manifestaram (em certos casos, discretamente), como Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e Sergio Moro (União Brasil).

Luta contra abstenção – além de pedir votos, os dois candidatos fizeram campanha contra a abstenção no segundo turno, após o índice recorde no primeiro, quando mais de 30 milhões de eleitores deixaram de votar; agora, mais de 300 cidades e todas as capitais do país devem oferecer passe-livre no transporte público no dia da votação.
‘Guerra santa’ – as campanhas começaram com publicações associando Lula a satanismo e o Bolsonaro a maçonaria; depois, ocorreram atos em igrejas e templos, onde houve discussões e brigas.

‘Pintou um clima’ – uma declaração de Bolsonaro sobre adolescentes venezuelanas que ele abordou durante um passeio de moto no DF gerou críticas e indignação; o presidente descreveu: “Pintou um clima, voltei. [Perguntei]: ‘Posso entrar na sua casa?’. Entrei. […] E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumado no sábado para quê? Ganhar a vida”. Dias depois, ele gravou um vídeo no qual se desculpou e, ao lado da primeira-dama, disse que as mulheres do local eram trabalhadoras, não prostitutas.
Assédio eleitoral – em outubro, dispararam as denúncias de assédio eleitoral em empresas; a prática, que é ilegal, consiste na tentiva de influenciar o voto de empregados por meio de ameaças, coação e promessas de benefícios.

Guerra suja de fake news – o conflito nas redes sociais agravou-se consideravelmente no segundo turno, com candidatos e apoiadores trocando acusações e levantando conteúdos falsos ou sensacionalistas.

TSE contra fake news – para tentar controlar a avalanche de fake news, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mandou retirar conteúdos das duas campanhas e aceitou centenas de pedidos de direito de resposta; a corte também alterou regras para que as redes passassem a ser mais rápidas para tirar do ar conteúdos considerados falsos ou distorcidos e também abriu investigação contra uma rede de desinformação bolsonarista.

Prisão de Roberto Jefferson – aliado de Bolsonaro, o ex-deputado federal reagiu com tiros de fuzil e granadas a policiais federais que, no domingo (23), foram cumprir um mandado de prisão contra ele; o presidente repudiou a ação e tentou se desvincular do ex-parlamentar.

Poucos debates, muitos podcasts – ao longo da campanha, os dois candidatos privilegiaram entrevistas a podcasts de grande audiência, como Flow e Inteligência Ltda.
Batalha nas redes – numa única semana de outubro, Bolsonaro gastou R$ 15 milhões em propagandas no YouTube (quatro vezes mais que o adversário); pelo lado de Lula, o deputado federal e influencer André Janones ajudou o PT a aumentar a presença do partido nas redes e a reagir no campo da batalha digital, que nos últimos anos vinha sendo domindo por bolsonaristas.

Economia – no fim da campanha, veio à tona uma proposta, ainda em estudo no governo Bolsonaro, para desvincular o reajuste do salário mínimo e aposentadorias do índice de inflação do ano anterior (após a repercussão negativa do plano, o Ministério da Economia informou que a correção deverá ser, no mínimo, pelo índice da inflação); já Lula divulgou uma carta na qual propôs o retorno do Bolsa Família e falou em aumentar a faixa de isenção do imposto de renda.
Inserções no rádio – um dia após a tumultuada prisão de Roberto Jefferson, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, exibiu um relatório no qual alegou que rádios deixaram de veicular ao menos 154 mil inserções da campanha de Bolsonaro; pelo TSE, Alexandre de Moraes apontou inconsistências no documento; líderes bolsonaristas mantiveram o assunto em alta nas redes e passaram a defender o adiamento das eleições, numa nova escalada golpista.

Estabilidade nas pesquisas – apesar do noticiário intenso e de muita discussão nas ruas e nas redes, as pesquisas de intenção de voto ficaram estáveis durante as quatro semanas de campanha do segundo turno.

Declarações de apoio

Lula teve ao seu lado políticos de centro e de direita, tradicionalmente adversários em eleições anteriores, e artistas como Chico Buarque e Preta Gil, que participaram de um novo vídeo de campanha. Também aderiram ao petista religiosos e juristas, caso do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, que julgou o mensalão. Derrotados no primeiro turno, Ciro Gomes e Simone Tebet manifestaram apoio, mas adotaram condutas distintas: ele o fez de modo tímido; ela foi a comícios e fez campanha para Lula na TV.

Já Bolsonaro ganhou apoio de sertanejos (entre eles, Gusttavo Lima, Leonardo, Zezé Di Camargo e Chitãozinho), atletas, lideranças religiosas e políticos do campo conservador. O senador eleito pelo Paraná e ex-juiz Sergio Moro também divulgou nota em favor do atual presidente e passou a acompanhá-lo em debates. Bolsonaro, por sua vez, declarou que está “superado” o desentimento com seu ex-ministro, que, ao deixar o governo em 2020, acusou o mandatário de tentar interferir na Polícia Federal.

Luta contra a abstenção

Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Tarifa Zero BH mostrou que, até esta sexta-feira (28), mais de 300 municípios definiram que terão transporte público gratuito neste domingo. Juntas, essas cidades têm mais de 96 milhões de habitantes que devem ser beneficiados pelas decisões. No primeiro turno, apenas 62 cidades adotaram gratuidade no transporte público.

Guerra santa

 

Lula é associado a satanismo e Bolsonaro à Maçonaria  — Foto: Reprodução

Lula é associado a satanismo e Bolsonaro à Maçonaria — Foto: Reprodução

O segundo turno abriu com fake news associando o ex-presidente a satanismo, e uma polêmica sobre o presidente Bolsonaro na maçonaria. Dias mais tarde, em 8 de outubro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro afirmou, durante um culto em uma igreja evangélica, que a corrida eleitoral “não é uma guerra polícia”, mas, sim, “uma guerra espiritual”.

Em 12 de outubro, no dia de Nossa Senhora de Aparecida, o arcebispo de Aparecida (SP), Dom Orlando Brandes, foi vaiado enquanto discursava contra a fome. Sobre esses ataques de bolsonaristas, o primeiro vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jaime Splengler, disse se tratar de “falta de respeito e sensibilidade”. E a entidade informou ter registrado outros casos de ofensas a padres e alertou para o aumento da intolerância.

Além disso, pastores foram acusados de pressionar fiéis a declarar voto em Bolsonaro. Diante disso, Lula divulgou uma carta aberta aos evangélicos, reforçando que é contra o aborto e que nunca defendeu o fechamento de igrejas.

Uma fala de Bolsonaro em entrevista a um podcast em 14 de outubro gerou repercussão nas redes sociais. Na declaração, o presidente contou que estava de moto andando em uma região administrativa do Distrito Federal e encontrou meninas venezuelanas: “Pintou um clima, voltei. [Perguntei]: ‘Posso entrar na sua casa?’. Entrei. […] E eu pergunto: meninas bonitinhas, de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”.

Depois da repercussão, Bolsonaro fez uma live para se defender, na qual disse que as declarações foram deturpadas. Dias depois, ele gravou um vídeo no qual pediu desculpas por afirmar que as jovens venezuelanas estavam se arrumando para fazer programa. Ao lado da primeira-dama, o presidente mudou o discurso e declarou que as venezuelanas eram trabalhadoras. Segundo essa nova versão, o presidente teve uma “dúvida” e uma “preocupação” sobre as jovens no local.

Já Lula, em entrevista ao podcast Flow, foi questionado “se acredita que ele [Bolsonaro] seja pedófilo”. E respondeu: “Olha, deixa eu lhe falar: ele se comporta como se fosse”.

Assédio eleitoral
O Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu mais de 1,7 mil denúncias de assédio eleitoral na campanha do segundo turno. O número corresponde a quase 30 vezes o total registrado até o primeiro turno. O total de denúncias registradas até aqui também é oito vezes maior que o registrado em todo o período eleitoral de 2018. Naquele ano, o MPT contabilizou 212 queixas ao todo.

Guerra suja de fake news

Dois dos principais exemplos de fake news praticadas pelas campanhas foram estes:

circulou nas redes sociais que um boné com a inscrição “CPX” usado por Lula durante um evento de campnha no Complexo do Alemão, no Rio, era uma referência a uma facção crininosa que domina o tráfico de drogas na região. Na verdade, as três letras são a abreviação de “complexo” (referência a “complexo de favelas”, expressão usada para denominar regiões com concentrações de comunidades).
também circulou nas redes sociais um vídeo em que Bolsonaro diz que Michelle Bolsonaro foi condenada por tráfico de drogas há 20 anos e cumpriu três de prisão. Na verdade, o conteúdo foi manipulado, com cortes de trechos de uma fala do presidente em referência a uma condenação da avó da primeira-dama.
Presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes afirmou sobre o problema: “Todos vêm acompanhando que, a partir do segundo turno, houve um aumento, uma proliferação não só de notícias fraudulentas, mas da agressividade dessas notícias, do discurso de ódio, que não leva a nada, leva simplesmente à corrosão da democracia”.

TSE contra fake news

 

TSE encurta prazo para remover fake news das redes sociais — Foto: JN

O TSE proibiu o PT de veicular uma propaganda que associou Bolsonaro a canibalismo, depois que a campanha de Lula resgatou um vídeo de 2016 no qual o presidente disse que comeria “sem problema nenhum” um indígena durante um ritual de aldeia. A corte também determinou a abertura de uma investigação sobre um suposto esquema de desinformação com envolvimento do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e de perfis de apoiadores da família do mandatário.

Além disso, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, apresentou uma resolução para acelerar a retirada de fake news das redes sociais em período eleitoral.

Prisão de Roberto Jefferson

Aliado de Bolsonaro, ex-deputado Roberto Jefferson atirou em policiais federais que foram cumprir o mandado de prisão determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no começo da tarde de domingo (23), na cidade de Comendador Levy Gasparian, no interior do estado do Rio de Janeiro. O ex-parlamentar se entregou à polícia após ter passado oito horas desrespeitando a ordem do Supremo Tribunal Federal.

Jefferson cumpria prisão domiciliar, determinada no inquérito sobre uma organização criminosa que atenta contra o Estado democrático de Direito. Ele descumpriu várias medidas da prisão domiciliar, como passar orientações a dirigentes do PTB, receber visitas, conceder entrevista e compartilhar fake news que atingem a honra e a segurança do STF e integrantes da corte. Também ofendeu e xingou a ministra Cármem Lúcia. Em razão de tudo isso, Alexandre de Moraes revogou a prisão domiciliar e determinou a volta do petebista à prisão.

Bolsonaro repudiou as ofensas a Cármem Lúcia e a ação armada, mas criticou o inquérito do STF.

Poucos debates, muitos podcasts

Lula e Bolsonaro deram prioridade a lives gigantes com influenciadores que são seguidos por milhões de pessoas. Assim, travaram uma batalha de audiência em transmissões ao vivo para ver quem conseguia atrair mais espectadores. A entrevista do petista ao podcast Flow chegou a 1,1 milhão de acessos simultâneos. O episódio com o atual presidente, exibido em agosto, no início da campanha eleitoral, registrou pico de audiência simultânea de mais de 500 mil.

Batalha nas redes
Na semana de 19 a 25 de outubro, a campanha de Bolsonaro gastou R$ 15,4 milhões com propaganda no YouTube. Já a campanha de Lula gastou R$ 3,4 milhões com publicidade na mesma plataforma. O candidato à reeleição veiculou 767 anúncios no site desde o começo da disputa de segundo turno, sendo 661 (86%) publicados entre 19 e 25 de outubro. O ex-presidente, por sua vez, teve 594 anúncios no segundo turno, sendo 343 (58%) nesse período.

Desde o início da disputa do segundo turno, a campanha de Bolsonaro gastou mais de R$ 17 milhões com propaganda no YouTube. A campanha de Lula gastou cerca de R$ 6 milhões.

Economia
Em 20 de outubro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou que o governo estuda desvincular o reajuste do salário mínimo e de aposentadorias do índice de inflação do ano anterior, mas negou que o objetivo seja impedir o ganho real dos trabalhadores e pensionistas. Após a repercussão negativa da notícia, o Ministério da Economia informou que a correção será no mínimo pelo índice da inflação.

Já Lula divulgou, em 27 de outubro, uma carta com propostas para um eventual governo na qual citou planos para a economia. Entre eles, está o retorno do Bolsa Família, o compromisso com a responsabilidade fiscal e a confirmação da proposta de elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil no caso de pessoas físicas.

Inserções no rádio

Na segunda-feira (24), o ministro Fábio Faria capitaneou uma entrevista no Palácio do Alvorada na qual alegou que rádios do Norte e do Nordeste do país deixaram de veicular propaganda eleitoral de Bolsonaro e anunciou uma denúncia ao TSE. Mas, diante das inconsistências do relatório, Alexandre de Moraes negou um pedido de investigação e disse que a campanha do presidente pode ter agido para tumultuar as eleições.

Líderes bolsonaristas – entre eles o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente –, entretanto, mantiveram o assunto em alta nas redes sociais e passaram a defender o adiamento das eleições, numa nova escalada golpista.

Nesta sexta-feira (28), Fábio Faria afirmou a ministros do STF que o bolsonarismo comete um erro gravíssimo ao pedir o adiamento da votação com base no caso das inserções de rádio.

Estabilidade nas pesquisas
Ao longo das quatro semanas de campanha de segundo turno, as pesquisas de intenção de voto do Ipe e do Datafolha mostraram estabilidade no cenário.

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