14 outubro 2024

Os influenciadores que lucram com notícias falsas sobre a guerra entre Israel e o Hamas

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Influenciadores que publicam informações falsas, enganosas, partidárias e com violência explícita têm liderado a discussão sobre a guerra entre Israel e o Hamas no X (antigo Twitter). Em outubro, esse tipo de conteúdo sobre o conflito foi o mais visto e compartilhado em inglês na plataforma.

Sem qualificação paa falar do assunto, esses influenciadores acumularam milhões de seguidores negando as atrocidades cometidas pelo Hamas e usando imagens de arquivo, manipuladas e geradas por inteligência artificial para falar da situação.

Especialistas que estudam desinformação dizem que as contas parecem monetizar eventos ao publicar conteúdo inflamatório e muitas vezes impreciso, atraindo receitas com assinantes pagantes.

Do ativismo climático a uma cruzada anti-Israel

Jackson Hinkle lidera o grupo desses influenciadores que cresceram recentemente. Defensor do presidente russo Vladimir Putin, Hinkle tem 24 anos e se autodenomina “comunista MAGA [Make America Great Again, movimento de apoiadores do ex-presidente dos EUA, Donald Trump]”

Entre outubro e novembro — meses da escalada de violência entre Israel e o Hamas — a conta de Hinkle quadruplicou de tamanho, alcançando dois milhões de seguidores, e ele teve o maior número de visualizações, compartilhamentos, curtidas e respostas entre todas as contas que publicam sobre o conflito na plataforma.

Esse crescimento exponencial deve-se ao tipo e número de publicações que ele tem feito: um fluxo constante de afirmações falsas ou enganosas e vídeos explícitos que mostram crianças feridas e casas destruídas.

Embora perturbadoras, essas postagens tendem a atrair atenção e serem amplamente compartilhadas.

Uma análise da Logically, empresa de tecnologia que usa inteligência artificial para monitorar desinformação, mostrou que as postagens de Hinkle foram compartilhadas mais de 20 milhões de vezes no X desde 7 de outubro.

Ele também escreveu 75% (15, de 20) dos posts mais compartilhados sobre a guerra entre Israel e o Hamas.

Para uma voz tão influente, Hinkle não é um especialista na área: antes do ataque do Hamas, ele raramente tuitava sobre o conflito era mais conhecido por suas opiniões ambientais e pró-Rússia.

Antes disso, ele era um ativista do meio ambiente, mencionado na lista da Teen Vogue de “jovens ambientalistas trabalhando para salvar a terra”.

Hinkle ganhou destaque online ao se posicionar como a alcunha contraditória de “comunista do MAGA”, promovendo repetidamente desinformação e propaganda do Kremlin, como falsas alegações de que a Ucrânia é governada por nazistas e que seu presidente, Volodymyr Zelensky, é viciado em drogas.

Ele já disse que a genética é uma “ciência falsa”, professou amor por Stalin e apoiou o regime de Assad na Síria.

Quando o Hamas atacou Israel, Hinkle deu uma guinada abrupta. Começou a postar dezenas de mensagens anti-Israel todos os dias, equiparando Israel ao chamado Estado Islâmico e à Al Qaeda — organizações consideradas terroristas pelo governo do Reino Unido.

Um dos seus tuítes utilizou imagens antigas de ataques de Israel a Gaza para ilustrar os atuais acontecimentos. Outro citou o que seria uma investigação do Haaretz, um jornal progressista de Israel, que, segundo ele, teria confirmado que 900 pessoas (em vez de mais de 1.200, de acordo com a última contagem oficial) foram mortas nos ataques do Hamas, e que metade delas eram soldados israelenses.

O Haaretz, no entanto, nunca publicou tal história, e publicou um comunicado dizendo que a postagem de Hinkle continha “mentiras flagrantes” e não tinha “absolutamente nenhuma relação” com as “reportagens do Haaretz”.

A postagem ainda está disponível e tem mais de cinco milhões de visualizações.

Hinkle chegou ao ponto de negar as atrocidades do Hamas, alegando que os civis que participavam de um festival quando foram mortos não foram vítimas de integrantes do Hamas, mas em “fogo cruzado” com a polícia israelense.

“O Hamas não é culpado das atrocidades de 7 de outubro”, diz a postagem de Hinkle, ainda disponível na plataforma.

Nada disso é verdade: a BBC confirmou a veracidade de imagens que mostram homens armados do Hamas matando participantes desarmados do festival.

Numa entrevista à BBC, Hinkle afirmou que estava “dizendo a verdade” sobre o conflito. Ele disse que embora raramente mencionasse isso no Twitter antes de 7 de outubro, falava sobre o assunto em outras plataformas.

Hinkle disse que “não busca lucrar com nada” e que “é melhor ganhar a vida dizendo a verdade do que mentindo sobre essas questões críticas”.

Quando questionado sobre a sua falta de experiência, ele afirmou que “os especialistas e a grande mídia não são realmente especialistas”.

Desinformação e sensacionalismo

Jackson Hinkle não é o único influenciador que usa essas táticas.

Mario Nawfal é um empresário que mora em Dubai e que já teve negócio nas indústrias de bem-estar e eletrodomésticos de cozinha.

Ele foi endossado em diversas ocasiões por Elon Musk, inclusive em suas análises sobre assuntos russos, apesar de não ter experiência no assunto.

Nawfal não parece favorecer um lado do conflito, mas suas constantes atualizações para seus 1,1 milhão de seguidores – que geralmente começam com “URGENTE” ou “NOVIDADE” ou “NOTÍCIAS RECENTES” — não cita fontes e às vezes repetem informações enganosas. Nawfal apresentou um vídeo de disparos de foguetes na Síria e afirmou que mostrava acontecimentos em Gaza.

Esta postagem acabou sendo excluída, mas outra, alegando falsamente que o Hamas sequestrou um general israelense, ainda está ativa e foi vista mais de 18 milhões de vezes.

A BBC procurou Nawfal, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

Dois influenciadores americanos de direita que anteriormente também não falavam sobre o conflito, Collin Rugg e Dominick McGee (conhecido como Dom Lucre ), também ganharam dezenas de milhares de seguidores em outubro ao publicarem sobre a guerra.

Rugg repetiu relatos falsos sobre combatentes do Hezbollah entrando em Israel de paraquedas. Dom Lucre publicou vídeos antigos de Gaza para ilustrar os acontecimentos recentes e apresentou um encontro católico na Polônia como uma manifestação pró-Israel.

McGee disse à BBC que parou de compartilhar informações sobre o conflito e negou que estivesse monetizando o sofrimento. Rugg não respondeu ao pedido de entrevista da BBC.

Há também contas anônimas que postam textos com frequência, com informações não verificadas e sensacionalistas.

Duas dessas contas foram recomendadas por Elon Musk como fontes para saber mais sobre a guerra — e ganharam centenas de milhares de seguidores desde 7 de outubro.

Tal como os influenciadores, ambas as contas têm um histórico de publicação de afirmações falsas e não verificadas, como imagens de uma explosão perto do Pentágono, nos EUA, que comprovadamente foram geradas por inteligência artificial.

Também se soube que um deles fez comentários antissemitas no passado. Musk deletou a postagem que os promovia.

Juntos, influenciadores e contas anônimas se tornaram “as maiores fontes de ‘notícias’ em inglês no X” sobre a guerra entre Israel e o Hamas, de acordo com um relatório da Universidade de Washington.

Lucro da guerra

O repórter Shayan Sardarizadeh, da BBC Verify, tem monitorado e desmascarado postagens enganosas sobre a guerra entre Israel e o Hamas compartilhadas no X.

“Os algoritmos das redes sociais recompensam conteúdos chocantes ou escandalosos postados de forma regular e consistente. Uma guerra proporciona um terreno fértil para esse tipo de conteúdo”, diz ele. “Sob Elon Musk, o recurso X Premium incentiva isso.”

X Premium e Premium Plus são assinaturas pagas implementadas por Musk. As respostas dos usuários pagantes são “impulsionadas” ou exibidas primeiro. Os usuários também podem oferecer assinaturas pagas em suas contas. Eles também são elegíveis para receber pagamentos de receitas de publicidade.

As taxas de assinatura pagas no X variam: Hinkle cobra US$ 3 por mês, enquanto os preços para outras contas populares variam de US$ 1 a US$ 5. O número de assinantes pagantes não é divulgado.

Em julho uma conta que postou comentários antissemitas vangloriou-se de ter recebido US$ 16.191 como parte do plano de divisão de receitas de publicidade do X para criadores de conteúdo.

“A renda oferecida aos assinantes X Premium e o nível de crescimento de seguidores visto desde 7 de outubro fornecem duas razões muito tangíveis para continuar a se envolver nessas práticas”, diz Kyle Walter, chefe de pesquisa da Logically.

A BBC procurou o X, mas a plataforma não respondeu.

Por BBC

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