25 maio 2025

Violência doméstica é invisível até ser tarde demais: Acre ignora números enquanto mulheres sofrem em silêncio

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Violência doméstica não começa com um tapa. Começa com o medo. Com o isolamento. Com a humilhação disfarçada de ciúmes, com o controle disfarçado de cuidado. A maioria das mulheres que morrem por feminicídio já vinha sofrendo, muitas vezes calada, por muito tempo. No Acre, essa realidade é ainda mais cruel — e silenciosa. O último levantamento oficial feito pelo Tribunal de Justiça do Estado data de 2023. Desde então, os números sumiram, mas a violência continua.

O relatório Raio-X da Violência Doméstica no Acre revelou que 5.470 casos foram registrados em 2023. Desses, 5.313 tinham mulheres como vítimas. A capital Rio Branco liderava as estatísticas, seguida por Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Tarauacá e Brasiléia. Os dados, alarmantes, já demonstravam o avanço do problema e as fragilidades do sistema de proteção. Mas desde então, o Estado parou de contar oficialmente. Como proteger vidas que sequer estão sendo mais contabilizadas?

Hoje, um homem foi preso em Cruzeiro do Sul após agredir a companheira. Um episódio que ecoa em muitas casas acreanas. O lar, que deveria ser o espaço mais seguro, tornou-se o lugar mais perigoso para muitas mulheres. E a falta de dados atualizados escancara o descaso: como formular políticas públicas eficazes sem saber a dimensão atual do problema?

Em 2023, o tempo médio para a tramitação de um processo de violência doméstica no Acre era de 816 dias — mais de dois anos. Nesse intervalo, a vítima segue exposta, vulnerável, muitas vezes sem medidas protetivas, sem amparo psicológico e sem estrutura para recomeçar. O Tribunal de Justiça acumulava mais de 4.700 processos pendentes.

O Disque 180 apontava para um crescimento de 35,67% nas denúncias no Acre até julho daquele ano. A maioria feita pelas próprias vítimas. Mas mesmo com o aumento nas denúncias, o que se viu foi um esfriamento no debate institucional, na transparência dos dados e no avanço das soluções.

A Patrulha Maria da Penha atua nos 22 municípios, e as medidas protetivas cresceram — 4.471 concedidas em 2023 — mas sem novos relatórios, não se sabe se esse número aumentou ou regrediu. O que se sabe é que, nas ruas, nos bairros e nas periferias, as mulheres continuam sendo silenciadas. E o Estado, também em silêncio, compactua com isso.

O governo criou iniciativas como a reserva de vagas para mulheres vítimas de violência em contratos terceirizados. Medida simbólica, mas isolada diante da falta de abrigos, de apoio jurídico gratuito, e da ausência de políticas integradas e contínuas.

Mais grave ainda é perceber que, na prática, a ausência de dados atualizados é uma forma de violência institucional. O silêncio oficial legitima a ideia de que o problema não é urgente, que não há o que fazer, que os números são apenas estatísticas frias. Mas cada número é um nome. Um corpo. Uma vida.

Se você conhece alguém que está vivendo uma situação de violência, por mais sutil que pareça, não ignore. Ouça, acolha, oriente. Se você mesma está passando por isso, saiba: não é normal, não é sua culpa e não precisa continuar assim.

Quando a violência chega à agressão física, ela já percorreu um longo caminho de abusos emocionais, chantagens, isolamento e terror psicológico. E nesse ponto, está perigosamente perto da morte. Quase todos os feminicídios começam assim: como “ciúmes demais”, como “cuidado demais”.

Abra os olhos. O silêncio mata. E o silêncio institucional também. Denunciar salva vidas. Mas só haverá mudança real quando o Estado também parar de se calar.

Por Queren Ramos

 

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