
A 19ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza, um dos eventos mais importantes do mundo no setor, conta neste ano com um projeto que une ancestralidade indígena, sustentabilidade e inovação arquitetônica: o conjunto de edificações da Aldeia Sagrada Yawanawá, localizada no Alto Rio Gregório, no Acre. Fruto da parceria entre o cacique Biraci Yawanawá e o arquiteto Marcelo Rosenbaum, o projeto é um dos destaques do Pavilhão Brasileiro no evento, que acontece entre maio e novembro de 2025.
As construções selecionadas — o Centro Cerimonial (Shuhu), a Casa Modelo e a Universidade dos Saberes Ancestrais — simbolizam uma arquitetura enraizada nos saberes tradicionais da floresta e que dialoga com questões globais como emergência climática, tecnologia e coletividade. Sob a curadoria do arquiteto italiano Carlo Ratti, a edição deste ano da Bienal traz o tema “Intelligens. Natural. Artificial. Collective”.
Arquitetura com identidade e propósito
Construídas com madeira nativa e utilizando técnicas sustentáveis, as edificações foram erguidas por uma equipe multidisciplinar com forte participação da comunidade Yawanawá e de trabalhadores ribeirinhos. Todo o processo enfrentou desafios logísticos severos, como o transporte de máquinas desmontadas por longos trechos de rio em plena floresta.
A participação ativa dos Yawanawá foi essencial. “Tudo que construímos vem da nossa ancestralidade. Estamos conectados às tecnologias, mas com os pés firmes na nossa terra. Precisamos de alianças para proteger a floresta e nossa cultura”, afirmou o cacique Biraci.
A diretora de Povos Indígenas do Acre, Nedina Yawanawá, reforça que as edificações representam muito mais do que estruturas físicas: “Cada espaço carrega a essência dos nossos saberes. A sensibilidade do arquiteto em compreender isso permitiu que a arquitetura transmitisse nossa forma única de ver o mundo”.
As edificações
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Universidade dos Saberes Ancestrais: com 1.265 m², é a maior das três construções. Seu formato em “Y”, idealizado pelo cacique, simboliza a união dos saberes tradicionais e modernos. Possui 12 salas de aula, cozinha industrial, refeitório para 250 pessoas e área para 150 redes.
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Casa Modelo: pensada para o conforto térmico e a integração com o ambiente. Conta com sala, cozinha, quatro quartos, dois banheiros e um pátio central para ventilação natural.
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Shuhu (Centro Cerimonial): com 1.150 m², abriga práticas espirituais e rituais. Sua cobertura circular impressiona com 41 metros de diâmetro e 33 metros de vão livre.
Para Marcelo Rosenbaum, o projeto é um exemplo de como o encontro entre saberes ancestrais e arquitetura contemporânea pode gerar soluções significativas. “Aprendemos que a floresta não é algo a ser dominado, mas um ser com quem se deve dialogar. Essa arquitetura é fruto dessa escuta”, declarou.
Apoio governamental
O projeto também reflete uma política pública de valorização dos povos indígenas promovida pelo governo do Acre. A criação da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas (Sepi) tem reforçado ações integradas voltadas à identidade, autonomia e cidadania dos povos originários.
Entre as iniciativas estão:
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Apoio a festivais como o Huni Kuin e o Huwã Karu Yuxibu, que incentivam o etnoturismo e a preservação cultural;
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Reconhecimento oficial de nomes tradicionais nos documentos civis;
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Investimentos em conectividade para 70 escolas indígenas, com internet via satélite e segurança digital;
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Inclusão de etnias em certidões de nascimento com o apoio do TJAC e da Defensoria Pública;
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Atendimento social, jurídico, de saúde e emissão de documentos durante ações itinerantes nas aldeias;
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Apoio emergencial a comunidades afetadas por desastres, como enchentes, com distribuição de kits e ajuda na reconstrução.
A presença do projeto da Aldeia Sagrada Yawanawá na Bienal de Veneza é, portanto, um símbolo de reconhecimento internacional da força, da beleza e da sabedoria dos povos da floresta — que hoje mostram ao mundo que desenvolvimento e ancestralidade podem caminhar lado a lado.