12 dezembro 2025

Policiais receberam R$ 1 milhão para enterrar investigação sobre PCC

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Um vídeo de pouco mais de dois minutos, gravado em 23 de maio de 2024, virou a peça central de uma investigação que aponta como integrantes da Polícia Civil atuaram para “enterrar” um inquérito, pelo valor de R$ 1 milhão, que mirava Wagner Nascimento de Souza, o Costurado, ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Dois dos agentes de segurança foram presos nesta quarta-feira (10/12).

Nas imagens, recuperadas em nuvem pela Polícia Federal (PF), o advogado Ademilson Alves de Brito aparece em videochamada com o investigador Murilo Muniz e o agente Alan Fernandes Dias, ambos lotados no Departamento Estadual de Narcóticos (Denarc). O diálogo, transcrito na denúncia do Grupo que Investiga o Crime Organizado (Gaeco), mostra passo a passo como os policiais orientaram o defensor sobre o “encaminhamento” do caso, que havia se tornado incômodo para o grupo criminoso, que era investigado por tráfico de drogas.

“Eu vou conversar com o escrivão, tá para terça, quarta-feira”, afirma Murilo, em referência ao escrivão Wander Tadeu de Araujo, igualmente citado no processo como peça essencial para dar aparência formal ao encerramento da apuração.

Policiais receberam R$ 1 milhão para enterrar investigação sobre PCC - destaque galeria5 imagensPolicial civil aparece em conversa de vídeo O agente policial Alan Fernandes Dias em video-chamada usada pelo MPSP em denúnciaO investigador Murilo Muniz, do Denarc, teria negociado com advogado valor para interromper investigaçãoPoliciais receberam R$ 1 milhão para enterrar investigação sobre PCC - imagem 5Fechar modal.MetrópolesRegistro de chamada em vídeo foi determinando para relacionar ação de policiais em benefício de Costurado, do PCC
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Registro de chamada em vídeo foi determinando para relacionar ação de policiais em benefício de Costurado, do PCC

Reprodução/GaecoPolicial civil aparece em conversa de vídeo 2 de 5

Policial civil aparece em conversa de vídeo

Reprodução/GaecoO agente policial Alan Fernandes Dias em video-chamada usada pelo MPSP em denúncia3 de 5

O agente policial Alan Fernandes Dias em video-chamada usada pelo MPSP em denúncia

Reprodução/GaecoO investigador Murilo Muniz, do Denarc, teria negociado com advogado valor para interromper investigação4 de 5

O investigador Murilo Muniz, do Denarc, teria negociado com advogado valor para interromper investigação

Reprodução/GaecoPoliciais receberam R$ 1 milhão para enterrar investigação sobre PCC - imagem 55 de 5

Reprodução/Gaeco

“Ninguém deve nada?”

“Tá bom, eu posso ficar tranquilo então, que esse assunto tá encerrado, matou a nota? Ninguém deve nada?”, indaga o advogado ao policial, que responde: “Acabou, parou… usa isso a seu favor”, mencionando que o juiz havia negado um pedido de busca e apreensão relacionado ao caso e que, essa negativa, deveria ser explorada para justificar o encerramento do inquérito.

As falas revelam não só a naturalidade com que o grupo discutia o direcionamento de um procedimento sigiloso, mas também a consciência de que o pagamento mencionado pelo advogado, e aceito sem objeção pelos policiais, selaria o destino da investigação.

“Costurado” e o interesse do PCC

Costurado, apontado pela PF e MPSP como operador financeiro do PCC, na rota entre Mato Grosso e São Paulo, havia sido identificado em investigação que desvendou o transporte de 345 kg de cocaína escondidos em um caminhão frigorífico.

O aprofundamento das diligências levaria à apuração de outros membros da organização. Foi nesse momento, entre o relatório assinado por Murilo e Alan em 8 de maio de 2024 — além do vídeo gravado quinze dias depois —  que surgiu a articulação para bloquear o avanço da investigação sobre a célula da maior facção criminosa do país.

A denúncia, obtida pelo Metrópoles, mostra que o próprio relatório final do inquérito, assinado pelo escrivão Wander, acabou por indiciar apenas um nome secundário, abrindo caminho para o arquivamento por falta de provas.

A engrenagem interna e o papel do Denarc

O material reunido pelo Gaeco descreve a infiltração de interesses privados na estrutura do Denarc. As conversas mostram que Murilo e Alan tratavam o andamento do inquérito como barganha direta, enquanto Wander aparecia como o funcionário capaz de dar formalidade ao desfecho desejado.

Em um dos trechos, Ademilson pergunta se poderia “ficar tranquilo” e se a investigação “não iria dar nada” para Costurado. Ele é tranquilizado por um dos policiais.

Para o MPSP, a atuação dos três policiais civis configurou “desvirtuamento de inquérito policial” mediante pagamento ilícito.

Patrimônios incompatíveis

A apuração também escancara uma sequência de aquisições feitas pelos policiais civis pouco depois do vídeo da negociação, consideradas incompatíveis com os salários dos agentes de segurança.

Cinco dias após a gravação, Murilo comprou um apartamento no condomínio Living Ipiranga, avaliado entre R$ 890 mil e R$ 1,25 milhão no mercado. O financiamento exige parcelas de R$ 6.550,80, quase equivalentes ao salário líquido do investigador (R$ 7.245,83). Além disso, ele é proprietário de outro imóvel em Santos, litoral paulista, e de uma motocicleta. Já sua esposa, como apontado pela Promotoria, consta com outros quatro imóveis e um Jeep Renegade registrados em seu nome.

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A esposa do policial Alan Fernandes Dias, Leda Ferreira da Costa, adquiriu à vista um apartamento em Osasco por R$ 215 mil, meses após o vídeo. A família também administra empresas que mudaram de natureza repentinamente, sugerindo atividade econômica artificial, de acordo com a denúncia obtida pelo Metrópoles.

Já o escrivão Wander Tadeu de Araújo comprou um apartamento de R$ 250 mil, neste ano, e possui outros dois imóveis, além de um Jeep Compass e uma motocicleta nova, ambos financiados.

Advogado condenado por sequestro

Ademilson Alves de Brito foi condenado no passado por extorsão mediante sequestro. Segundo a investigação, ele mantém em seu nome e no da esposa uma frota de carros de luxo, entre eles um Porsche Cayenne blindada, Jaguar, Ford Ranger Raptor, Land Rover Evoque e uma BMW 320i.

Para o Gaeco, o padrão de vida dos envolvidos reforça a suspeita de que o pagamento de R$ 1 milhão abasteceu a movimentação patrimonial registrada meses depois.

A rota do dinheiro

O MPSP ainda afirma na denúncia que o R$ 1 milhão acertado destinava-se a garantir que Costurado e outros integrantes da organização não fossem alcançados por novas diligências. A negativa judicial a um pedido de busca, citada por Murilo na chamada, foi usada como justificativa para “enterrar” o que restava da investigação.

O inquérito então foi concluído com indiciamento mínimo e o grupo responsável pelo tráfico permaneceu intacto.

Prisões, buscas e sequestro de bens

Diante das evidências, o juiz Tiago Ducatti Lino Machado decretou a prisão preventiva de Murilo, Alan e Ademilson, expediu mandados de busca e apreensão nas casas dos investigados, nas salas do Denarc, além de solicitar o bloqueio de bens até o limite de R$ 1 milhão.

As medidas foram cumpridas pela Polícia Federal em conjunto com a Corregedoria da Polícia Civil, que não localizou itens ilegais somente na casa do escrivão–  em Mairiporã, Grande São Paulo — durante o cumprimento dos mandados, na manhã desta quarta-feira (10/12).

O que diz a SSP

Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que não tolera desvios de conduta por parte de seus agentes e que todas as medidas administrativas cabíveis serão adotadas, sem prejuízo das apurações criminais e disciplinares. “A pasta permanece colaborando com as autoridades responsáveis para o completo esclarecimento dos fatos”, afirmou em nota.

A defesa dos policiais não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.

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