O plenário do Supremo Tribunal Federal estabeleceu, nesta quarta (29), critérios para responsabilizar veículos de imprensa por declarações de entrevistados que imputam falsamente crimes a terceiros. A tese firmada pelos ministros que pode levar à autocensura ou facilitar a criminalização do trabalho da imprensa.
“A decisão interfere na liberdade de imprensa e impõe uma responsabilidade desproporcional aos veículos e os jornalistas, que não são instâncias formais de apuração de crimes – trabalho que, inclusive, o sistema de Justiça deveria fazer melhor”, afirmou à coluna a constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV-Direito-SP.
Na avaliação dela, a decisão “ignora que o Poder Judiciário brasileiro, em geral, se sente muito confortável em censurar matérias jornalísticas, sobretudo envolvendo autoridades”.
Para Machado, “haverá uma avalanche de censura judicial”.
Por exemplo, o que vai ocorrer com juízes de primeira instância que ostentam relação de proximidade com políticos e grandes empresários? Magistrados guiados pela má fé podem aproveitar a tese para ver “indícios concretos de falsidade da imputação” onde eles não existem ou afirmar que o veículo deixou de lado o seu “dever de cuidado” na verificação de fatos e na divulgação dos indícios, condições citadas na tese hoje aprovada pelos ministros.
A decisão pode ser revertida em uma segunda instância ou em um tribunal superior. Mas nem todos os veículos podem arcar com esses custos e os que podem já estão sobrecarregados. Hoje, já é alto o número de ações judiciais descabidas para constranger a imprensa, seja ela tradicional, alternativa ou independente.
Além disso, a tese pode afetar, inclusive, a cobertura das eleições. O que fazer em uma entrevista com candidatos? Nem todo veículo de imprensa pode fazer checagem em tempo real, o que pode levar a uma elitização do trabalho jornalístico ou, simplesmente, o seu enfraquecimento.
Veículos de imprensa e jornalistas já podem (e são) punidos hoje por erros e falhas, inclusive sendo alvo de processos por injúria, calúnia e difamação. No afã de garantir os essenciais limites para a liberdade de expressão, que como todos os direitos são limitados por outros direitos, a corte acaba por facilitar a vida de quem não se preocupa com eles.